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Mostrando postagens de setembro, 2012

A Procura de Uma Dignidade

 Dois rapazes provincianos deslumbrados com cidades tipo São Paulo, não percebem a trama do desgosto debaixo do aparente verniz dos néons, das vitrines chamativas que empacotam a carência e buscam vencer na cidade grande, além de dar um sentido para as suas vidas. Esta narrativa se amplia numa alegoria nacional, que é também a alegoria da esperança possível. Mas ela revela toda uma interminável pergunta. A supervalorização da resposta deve ser catalogada entre as debilidades da condição humana. Corremos para ela, somos de tal modo arrastados pelo seu fascínio, que já não conseguimos vislumbrar a grandeza escondida na falta de resposta. Deixemos que a pergunta cruze livre o espaço da narrativa, como uma espécie de imagem vazia, de símbolo ou de estigma – mudo resumo de uma indagação maior, curtida no encontro ou no desencontro, do ambicionado clã do interior do País, o êxodo rural na sua difícil luta pela sobrevivência contracena com a engrenagem urbana. “Moenda

Contador de Histórias

            Montezuma Cruz Editor de Amazônias                A descoberta do talento de Geraldo Machado é assim, do jeito que a jornalista Mariana Cegatto descreve no Jornal da Cidade , em Bauru. O autor de “Celeiro da memória” autografa agora o “segundo e último” livro: “Na garupa da memória”, igualmente constituído por saborosas crônicas, mostram um pedaço do interior paulista.          O bom humor sempre presente nos seus bilhetes, cartas e nas conversas pessoais está entre as virtudes que vejo no amigo Geraldo Negrão Machado, que se revelou octogenário para a literatura. Faz trocadilhos com fatos históricos e frases, brinca com as pessoas, e ironiza a si próprio desde quando se tornou ”sitiante e prosador” de Chavantes e arredores.            Lê-lo faz bem não apenas para a mente e o coração de quem viveu nessa ex-região cafeeira paulista, mas para todos que veem no interior um paraíso ou o oráculo ideal, longe das turbulências

Dentes Cariados da Memória III

                     Passo os olhos pelo jornal impresso e Internet, estarrecido com as estatísticas de mortos. Todos os dias, com um prazer necrófilo, examino as causas. Morre-se do coração. Infartos, derrames, todo tipo de complicações cardiológicas aparece nas causa mortis. Ou seriam mentiras? Dissimulações. E por que gente com vinte anos ou menos ainda, tem o coração estourado? Não dá para acreditar. E de que adianta não acreditar?          Vejo esta foto agora e percebo como o fotógrafo de formatura, tinha firme a sua mão e agudo o seu poder de observação O homem entusiasmado ajeitou várias vezes o rosto de Helena, empurrando o queixo para cima, numa dessas poses de porta de circo ou vitrine de fotógrafo artístico.          O olhar doce e sereno de Helena nunca mais foi retratado deste modo. Era ela delicada e cordial, porém não impulsiva. Ao menos, não era imprevisível nos primeiros anos.          Será que eu a transformei de tal modo? Ou fora

Dentes Cariados da Memória II

                        As ruas iam se enchendo, cada vez mais intransitáveis. Vieram os primeiros grandes problemas de circulação. E, de repente, os meus rostos, aqueles que eu via diariamente, quase que às mesmas horas, em situações idênticas, passaram a desaparecer como se esvaíssem em plena neblina.          Sol escaldante, ar seco, eram sensações que me tomavam, quando encarava a multidão, compacta, fechada, mais fechada. Andávamos ombro a ombro, rosto a rosto, e ninguém se encarava. Olhavam para os lados ou para o chão.          Tais climas se espalham, como fluidos, dominam a atmosfera. Tocam as pessoas, instalam-se nelas, com a umidade, o frio e o calor. Dominam, simplesmente.          Agora sei. Essas noites longas e silenciosas eram de aturdimento. Ficávamos na cama, de mãos dadas, contemplando o teto, ouvindo os barulhos da rua.          Não ousávamos nem mesmo olhar à janela. Não era piedade. Puro medo. Igual aos vizinhos das casas

Antônio Abujamra lê texto de Prudentino

      Shirassu Júnior e Abujamra em São Paulo                       Antônio Abujamra, grande diretor, ator de teatro e apresentador de TV há 11 anos, no programa “Provocações”, edição número 583, de terça-feira, 11 de setembro último, da TV Cultura Canal 2, após a entrevista com a atriz Annita Ferrari, encerra o programa lendo o poema “O Reino do Interno”, de Rubens Shirassu Júnior, escritor e poeta de Presidente Prudente. Este texto seco, de imagens fortes de dor e agonia, como a sensação de um soco no estômago, integra a coletânea “Cobra de Vidro”, seu primeiro livro de poemas, distribuído também no programa “São Paulo: Um Estado de Leitores”, que envia livros às novas bibliotecas do Estado. Shirassu Junior também colabora com os dois jornais diários de Presidente Prudente, São Paulo.             Para conhecer o texto de Rubens Shirassu Júnior, acesse o link http://tvcultura.cmais.com.br/provocacoes , ou o endereço eletrônico http://tvcultura.cmais.com.

Dentes Cariados da Memória I

                        Caio Pego vai reconhecendo sua casa no acúmulo de objetos e as imagens que associam-se ou trazem referências. Na verdade, conhecendo, descobrindo. As gavetas dos armários, de cedro, perfumadas. Os papéis acumulados em escrivaninhas, apesar da recomendação da Helena, sua mulher, de jogar logo fora. Há quantos anos não tiro nada das gavetas? Só coloco, coloco. A memória de minha vida.          Que vida? Esta memória nunca consultada que vai ser atirada ao lixo, assim que eu morrer. Que sou nada na ordem das coisas. Papéis, fotos, contas, anotações. Que importância tem? Documentos do quê? De um homem comum. Ora, a história jamais se interessou pelo homem comum. E por que havia de?          Lembranças. A ternura ressurge numa foto em preto e branco a mão.   E os galos não existem, porém continuam cantando. Vendo esse retrato sinto-me só. Aposto que se eu dissesse isto aos meus amigos aqui, morreriam de rir. E o que parece eles encon

Sem papas na língua

    O poeta paulista Glauco Mattoso já foi citado na música “Língua”, de Caetano Veloso e  pel o cartunista Millôr Fernandes              O escritor, poeta e ensaísta Glauco Mattoso faz a fusão de poesia de vanguarda, da construtivista aos temas “sujos”, através de um fio condutor lógico num tom debochado e satírico. Uma vocação poética e filosófica que se esconde por trás do aparentemente fútil, fulminante e efêmero. “Desde o mosaico do jornal até o limeirique anglo-nordestino, dos trocadilhos até o hai-kai nojento. Mattoso vai desdobrando em leque suas possibilidades de poeta”, afirma José Paulo Paes. E ainda, tem no humor negro, seu estilo irreverente que oscila indiscriminadamente entre o erudito e o coloquial. Com muitos créditos devidos à “Literatura Cocchone” (Sade, Masoch, Rimbaud, Verlaine e Bocage) além dos poetas Camões e Gregório de Mattos.          Mesmo quando essas matrizes referenciais transparecem, à primeira vista, uma dose forte

Como Baratas nos Detritos

               - Até parece que gente morta tem importância nesta cidade.          - Não são os mortos, é o jogo político que se pode fazer com eles. Todo um sistema de trocas, barganhas, acertos e injunções.          Neste local, havia movimento. Que aumentou gradualmente, a ponto de o caminhão andar muito lento. As pessoas olhavam espantadas para nós. O mesmo olhar de medo e surpresa. Todos carregavam alguma coisa. Um saco, uma caixa, cadeira, bastões de plástico e embrulhos.          De quadra para quadra, mais e mais gente. Carregavam lanternas feitas de arame e lata, com uma vela dentro. Uma luz débil que mal clareava o caminho. Lembranças de antigas procissões de semana santa, o senhor morto na sexta-feira, os fiéis com suas velas e o canto fúnebre.          Desta vez, não havia o canto, mas um murmúrio denso, compacto, quase ritmado. E, acima de tudo, o mau cheiro. Pavoroso. Mefítico. Havia um professor de português, no ginásio, muito pedante e empolado. Usava esta pal

Livro no Fantasticon 2012

  Lançamento do livro "Além do Deserto", de Érica Bombardi (dentro do VI Simpósio de Literatura Fantástica) neste sábado (15/09) e no próximo (22/09) , às 15h30 na Biblioteca Viriato Corrêa Rua Sena Madureira, Nº 298, Vila Madalena CEP: 04021-000 - São Paulo - SP http://fantasticon.com.br/ http://ericabombardi.wordpress.com/fatum/

Numa Estação do Metrô

Muitos rostos, muitos nomes, gritos, cachos de lágrimas, crianças recortadas, homens, mulheres, olhares risotas, maçãs coradas, papel cortado, pequenas, quase formigas descendo a escadaria, primeiro um ponto borrado, depois as formas, braços, pernas, circulam no pátio, correm, confundem-se para de novo formar a fila cada vez mais nítida se aproximando de uma esquina dobrada à esquerda, subindo a rua, descendo a rua, subindo a rua, descendo a esteira, no alto do poste formigas, cabeças recortadas nas arestas das janelas, mãos abertas puxam mãos abertas, do teto retangular elas deslizam com agressividade, olhos abertos de lentes negras sem ânsia, nenhum lamento, nenhum grito, às centenas, como podem caber todas neste cubículo, mãos nervosas umas nas outras, a princípio com vagar, a seguir velozes e depois com brio, desespero, esfregam os braços uns nos outros, pernas umas nas outras. Ausência de vento e calor. Falta de nuvens. Pétalas em negro, úmidos galhos, arrancá-las e masti

Pedaços de Mim

Mas alguma coisa se quebrou em mim, e fiquei com o nervo partido em dois. No começo, as extremidades relacionadas com o corte me doeram tanto que fiquei muito pálido de dor e perplexidade. Os lugares partidos foram, porém, cicatrizando. Até que, friamente, eu não me doía. Mudei, sem planejar previamente. Antes, eu te olhava de meu dentro para fora e de dentro de ti, que pro amor, eu adivinhava. Depois da cicatrização passei a te olhar de fora para dentro. E a me olhar também de fora para dentro: eu me transformara num amontoado de fatos e ações que só tinham raiz no domínio da lógica. A princípio, eu não pude associar-me a mim mesmo. Cadê eu? Perguntava-me. E quem respondia era uma estranha que me dizia fria e categoricamente: tu és tu mesmo. Aos poucos, à medida que deixei de me procurar fiquei distraído e sem intenção alguma. Eu sou hábil em formar teoria. Eu, que empiricamente vivo e dialogo comigo: exponho e me pergunto sobre o que foi exposto, e coloco a face para bater

O Fotógrafo

Há muitos anos o fotógrafo aguarda a chegada dos discos voadores na sacada do prédio. Por isso permanece o tempo inteiro sentado junto à janela de seu apartamento. Não faz nada além de olhar através da câmera que só focaliza o horizonte. O fotógrafo nunca desviou a câmera para enquadrar a queda de um avião na pista de um aeroporto, os ladrões que assaltam lojas sob a sua janela ou os atropelamentos que sempre acontecem nesta rua. Rolos de filmes e HD´s acumulam-se no estúdio do fotógrafo. São imagens de nuvens passageiras, a migração das andorinhas tranquilas que vão e vêm no céu dentro da ordem do dia.

Um Certo Reflexo Branco

  Cinquenta anos diante de um espelho: - Você parece muito deprimido. Algum problema? (Foi como se tivesse sido apanhado em flagrante, com as calças na mão. Rapidamente, desviou os olhos para a porta, ao mesmo tempo em que testava o trinco. Precisa certificar-se de que estava trancado. Depois, olhou em volta e percebeu que as coisas continuavam em ordem. As toalhas coloridas continuavam no lugar de sempre, a tampa da privada continuava no mesmo lugar, a cortina do banheiro era a mesma de antes e continuava lá. Sim, estava só. Voltou a encarar a sua imagem refletida. Tinha mesmo necessidade de saber o que ela estava refletindo.) - Acho que estou precisando de uma massagem ou chá de raiz de alface com erva cidreira. Não consigo dormir. - Você está tenso demais. Algum problema? - Digamos que é o cansaço. Estou cansado. - Nada mais natural. Com a vida que você leva, não é pra menos. Admita essa evidência. Volte para a cama, faça de conta que está dentro de uma concha, pense nisso com