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Mostrando postagens de maio, 2016

Um mundo de histórias e detalhes

Um comércio que exige paciência, dedicação e pesquisa             Um ambiente de paz e aconchego onde se esconde, em pilhas de livros empoeirados, discos (vinis), CDs, DVDs e histórias em quadrinhos um pouco de história. Assim é o sebo, uma atividade nem sempre lucrativa, mas que exige bastante amor e paciência do proprietário. Paciência para pesquisar raridades, descobrir pessoas que pretendem se desfazer de suas bibliotecas ou buscar em anúncios de internet, jornais e revistas, aqueles que oferecem livros usados para vender.        Embora se trate de um comércio de sobrevivência difícil, dá muita satisfação quando o proprietário descobre, por exemplo, uma obra rara no meio de um lote de livros adquiridos.           Há os que, além das obras raras, fazem a restauração e encadernação de livros e oferecem um cafezinho. Uma característica do sebo é que os clientes, em geral, acabam amigos dos proprietários e chegam a trocar livros e dar informações sobre b

Um operário em construção

Escultura de Demétrio Albuquerque, na rua da Aurora, em Recife O rigor da poesia pedagógica das formas geométricas             Vinícius de Moraes, com certeza, não se importaria de ver o título de um de seus poemas mais famosos, ser utilizado para apresentar João Cabral de Melo Neto, outro poeta operário que usa palavras na construção de suas obras. O poeta aprendeu a ler recitando para peões reunidos depois da jornada de trabalho, os romances de cordel por eles comprados nas feiras. podemos adentrar no universo atraente e complexo criado por João Cabral a partir do rio, do barro, da pedra, das árvores, dos canaviais da Zona da Mata, dos engenhos, da cidade, do mar e do mangue, dissecado por dentro e por fora e, ainda, as paisagens inóspitas da Andaluzia refletidas nas paisagens do agreste nordestino. O universo poético de João Cabral, seu assunto e sua inspiração, provém de sua terra, o nordeste e seus habitantes.             João Cabral de Mel

Dias circulares ressecados

Ilustração de Alejandro Santiago Ramirez Sou a plena desorientação, pelo calor intenso e abafado dentro dos dias circulares sinto a vertigem. O vento se levanta da cerne do rio, como um soco e uma punhalada, Um burburinho confuso Um sono monótono pela fome pulverizando as janelas e os neurônios do cérebro: olho para dentro e ouço sua voz de terra, dos seres perdidos pelas regiões sem geografia, ainda no desabrigo. Um grande vento se derrama gemendo encolhido, as falanges descarnadas contornando órbitas vazias no abismo, onde pedaços do mundo se ampliam em desespero. Zumbido longo de abelhas partindo os vidros do painel escuro. O vento vem lamber os ossos, enrolando-se no pescoço como uma coleira de cão. Os dedos percorrem os buracos das órbitas vazias, tateam nas cavernas negras, espectro fumegante em convulsão. Sempre caminhando sem rumo direita e esquerda muravam-me até o esgotamento total

Literatura como meio de formação

Da ideia para o papel e do papel para a tela, a aglutinação de duas linguagens: a literária e a de vídeo             A atividade de escrever é, em tese, uma das mais complexas e exigentes no sentido da mensagem passada e da capacidade de oferecer um meio para reflexão. Serve para o público leitor como também servirá para o escritor iniciante que descobre seu caminho por meio da arte literária. Ao se elaborar um poema, um conto ou crônica - cria-se um vínculo entre o(a) autor(a) e os seus leitores e, imediatamente, começa-se um processo de interação humana de grande valia. Uma espécie de mais valia.             A compulsão solitária de escrever sempre levanta os questionamentos humanos e sociais. Assim, dando continuidade ao projeto de discutir e debater temas que incluem os valores da sociedade, suas carências, Rubens Shirassu Júnior, poeta, contista e revisor de textos, fará um bate-papo e, na sequência, coordenará a atividade que se cha

O realismo mágico de Murilo Rubião

Quadro de Laeticia Reunaut Seus contos desvendam grandes dramas da existência humana             Por ser o primeiro contista moderno do gênero fantástico nas letras brasileiras, a obra de Murilo Rubião permaneceu praticamente desconhecida para o grande público durante mais de três décadas, quando a reedição do seu livro de contos O Pirotécnico Zacarias em 1974 o tiraria do anonimato, transformando-o praticamente em best-seller nacional. Hoje, com a divulgação maciça do gênero fantástico através das letras hispano-americanas (Jorge Luis Borges, Julio Cortázar, Gabriel García Márquez e outros), e mesmo no nosso meio com Rosário Fusco, Samuel Rawet, José J. Veiga, Moacyr Scliar, Murilo Rubião não é mais uma ovelha negra no panorama de nossas letras.             “O mais estranho é o seu dom forte de impor o caso irreal. O mesmo dom de um Kafka: a gente não se preocupa mais, é preso pelo conto, vai lendo e aceitando o irreal como se fosse real, sem n

Kame III

Entre margens, a tartaruga fecha os olhos antigos eclipse.

A memória em risco

Ilustração de Michael Peck Somos nossa memória, somos esse quimérico museu  de formas inconstantes,  esse montão de espelhos rompidos. Jorge Luis Borges             Perder a memória, para o indivíduo, soa como uma ameaça de morte, deixar de existir. O que significaria para um país? Acredito que, ao contrário do que se pode imaginar, países que investiram prévia e previdentemente em cultura foram os que mais desenvolveram seu domínio sobre a reprodução da vida material, isto é, sobre os problemas prioritários. O que, em grande medida, tornou possível a solução desses desafios da existência.            Mas, a informação não pode ser apenas armazenada. Trata-se de torná-la acessível: classificá-la e organizá-la de modo que tenhamos contato com os conhecimentos (e as dúvidas) acumulados pela humanidade. John Maynard Keynes, um obsessivo bibliófilo e colecionador de documentos, afirmou certa vez que o conhecimento da história das ideias

Retratos da demagogia

Ilustração de Pawel Kuczynski “ A vanguarda brasileira é moralista, trocou o convento pela célula política” Marilena Chauí          No Brasil, permite-se fazer a crítica do discurso competente e transmite credibilidade quem tem títulos universitários e eu não os tenho, sou rotulado de utópico. De modo que me vejo obrigado a retomar uma entediante discussão – que eu já julgava superada – para explicar que fazer críticas à esquerda não significa automaticamente ser de direita. Antes de tudo, critico as esquerdas com a maior consciência, justamente porque elas dizem destruir o poder opressor quando, em geral, o estão instituindo em novos moldes. Além disso, dedico especial atenção às esquerdas porque no interior delas e não das caquéticas direitas é que se estão desenvolvendo os debates mais inteligentes sobre nosso tempo. Mas, autodefinir-se de esquerda não significa, necessariamente, garantia de progressismo. Ao contrário, frequentemen