No misterioso mundo
das palavras, São Paulo se destaca por sua tradição, estrutura e não é
imbatível, aliás, o interior do Brasil vem revelando novos valores. Seus
escritores há muito compreenderam que não existem somente letras, sons e significados
nas palavras. Existe também magia. As palavras são mágicas e possuem poder
ilimitado. Fazem rir, alimentam os sonhos, ameaçam as mais ferozes ditaduras,
inquietam carcereiros, acuam torturadores. (Em nossos anos de chumbo, a
repressão caçava palavras – e cassava aqueles que as brandiam de maneira falada
ou por escrito. No mundo inteiro, pensadores, críticos, jornalistas,
professores, radialistas, sociólogos, escritores põem em marcha um desarmado
exército de palavras que invadem castelos, fortalezas, masmorras, corporações e
bunkers, como imbatíveis cavalos
alados.). Elas sobem os palcos, emergem das telas, jornais, revistas e
internet, anunciam, confortam, afagam. Sussurradas junto ao ouvido, acariciam a
alma. São cinzentas ou coloridas, ásperas ou suaves. Podem destruir ou
ressuscitar. Entorpecer ou despertar. Prometer ou desiludir. Matar. Salvar.
As palavras se reúnem
em frases, formam parágrafos. No seu conjunto, possuem uma estrutura
determinada que chamamos de língua ou idioma. Essa estrutura, além de
transmitir informações e revelar ou provocar emoções variadas, abriga
conhecimentos de todos os tipos, armazena dados e sutilezas, expressa hábitos
de pensamento, posturas, modos de raciocinar. É profunda, complexa e
insubstituível. Mas as palavras e línguas, como todos os seres vivos e as
espécies, também desaparecem. Houve tempos, no Planeta Terra, em que as pessoas
falavam 150 mil línguas. Hoje, falam 6 mil – 2 mil delas em extinção. Um idioma
desaparece a cada quinze dias. Assim, a mesma entropia social e política deste
confuso começo do Terceiro Milênio agride, com igual ferocidade, o universo
mágico das palavras, formas delicadas e específicas de conhecimento afundam nas
areias movediças, nos pântanos onde já naufragávamos com a urbanização desorganizada,
o ressurgimento do tribalismo, a explosão demográfica, o terrorismo, as
incertezas da crise mundial, a corrupção, o crescimento vertiginoso das
desigualdades sociais, das indústrias da fé e da doença, mas os escritores
resistem. Felizmente, resistem.
Talvez aos olhos de
alguns desavisados, os escritores também pareçam uma espécie em extinção. Ledo
engano. Embora se endividem frequentemente e não revelem qualquer familiaridade
com o misterioso mundo das finanças, sobrevivem. Embora possuam organismos,
geralmente frágeis e mentes impressionáveis e atormentadas, sobrevivem. Embora
dominados pelo medo dos críticos, da rejeição, do fracasso do próximo texto – e
também da tesoura da censura, em que países que ainda convivem mal com valores
universais da democracia – eles sobrevivem. Felizmente.
Em diferentes fases
da história, os escritores têm sido os cavaleiros da liberdade. Cavalgando
palavras, combatem as verdades oficiais, mordem a flacidez das burocracias,
pisoteiam carcereiros e torturadores. São guerreiros destinados, na luta contra
todas as formas de autoritarismo. Por isso mesmo, acabam, às vezes, na cadeia.
Ao longo do século XX, é difícil imaginar um país onde escritores não tenham
conhecido as celas de alguma prisão civil ou militar. Mesmo na penumbra dos
cárceres, no entanto, eles sonhavam e sonham com liberdade. São sonhos
proféticos, porque os escritores vivem além da lógica do tempo e da razão.
Habitam as regiões mais remotas da magia, da premonição, do humanismo iluminados
que abrem os caminhos para o futuro.
Desde a Semana de 22
e o surgimento do Modernismo, em especial, São Paulo e o interior do Brasil desempenham
um papel destacado na defesa da palavra – símbolo de liberdade e de
inteligência. Assumiram, em primeiro lugar, um compromisso com a diversidade, o
que significa, com o multiculturalismo. Eles estão comprometidos com a
valorização das diferenças, a solidariedade entre as comunidades, uma cultura
planetária de adições e não de exclusões, a arte, a inteligência e a liberdade
contidas na palavra. Precisamos tratar as palavras com carinho, fruir sua
magia. Temos excelentes escritores, articulistas indispensáveis, jornalistas
isentos. Cumpre lê-los sempre. Multiplicam-se os bons textos diante de nossos
olhos. Nossa batalha hoje é valorizá-los. Empunhá-los na resistência à
desumanização, ao maniqueísmo e à insensatez, é o nosso combate. “Nossa batalha”,
disse Jorge Luis Borges, “é eterna e pode prescindir da pompa dos exércitos
visíveis com os seus clarins.”
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