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Escrita irônica e polifacetada

  Ilustração: Polifaces de Rubens Shirassu Júnior Como escrevi em “ Humor na realidade mascarada ”, procedeu mal a imprensa quando insistia em apresentar Márcio Souza como um humorista apenas. Criou-se, assim, a imagem distorcida de um trabalho que pretendia ser polifacetado e que foge do gênero expressivo único. Talvez, seja por esse motivo que se tenha sentido certa frustração quando do lançamento de Operação Silêncio (1979). Nele, não há lugar para brincadeiras, embora haja para a ironia. Ainda que pareça exorcizante, Operação Silêncio trabalha em cima das relações entre o intelectual e o Poder, entre a teoria e a militância política, entre a Arte e o Estado, a partir de uma época conturbada como o final dos anos 60. Romance de estrutura complexa e muito distante da linearidade que marcava a produção anterior, esse livro desnorteia porque o cineasta Paulo Conti, um dos personagens centrais, ora está no centro de São Paulo, ora está em Paris, ou ainda no Peru. Ele se desdobra ...
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Humor na realidade mascarada

  Os velhos tinham tentado falar com os civilizados uma vez, estavam desarmados e traziam crianças no colo. Os civilizados não quiseram ser amansados e apontaram suas espingardas e não deixaram um só velho com vida, apenas as crianças, que ficaram chorando e depois correram para a maloca onde contaram o que tinha acontecido. ( Mad Maria, Márcio Souza ) A perspectiva do índio face ao colonizador, o homem amazônico diante de sua história – esquecida ou mistificada pela cultura oficial – despontam fortes na obra de Márcio Souza . Com a força da sátira, do riso, até do deboche. Mas, também, com a força da pesquisa documental e histórica com base para desvendar o passado e compreender o presente. Passando ao largo das versões oficiais e procurando algumas versões desprezadas pelos manuais, Márcio compõe um quadro caricato e terrível da Amazônia, como parte integrante de um Brasil real, também caricato e terrível. A Amazônia e sua história, palco de dois de seus romances, é também l...

À margem da teia

  O presente trabalho procura realizar uma abordagem analítica, tendo como destaque a obra Uma vida em segredo (1964) de Autran Dourado , o estudo concentra-se em desvendar nuances da obra do autor principalmente no que se refere aos conflitos vivenciados pela personagem Biela. É relevante observar que tal obra dialoga com o Modernismo literário brasileiro, configura um narrador masculino que propõem revelar a história ou vida de uma personagem excluída. O narrador apresenta a personagem exigindo dela um padrão de aceitação pela sociedade, e ela a princípio se submete as novas exigências que lhe são impostas. Essa submissão surge através da utilização de agentes externos, como as roupas, produzindo, dessa maneira aparência diferente. A personagem através dessa mudança passara a ser incluída nessa sociedade. Trataremos de abordar acerca da literatura autraniana , expondo algumas perspectivas acerca de suas narrativas. Destacaremos a própria opinião de Autran Dourado sobre a escr...

Súplica humana

  (Quinta Parte) O revoltado, em Albert Camus, tem um princípio simples a seguir: “ não aceitar o injusto, recusar a criação, contestá-la todo momento. Afirmar o homem, afirmar o direito à justiça e à felicidade, é a tarefa do revoltado ”. Mas, tudo dentro do relativo, pois o excesso caracteriza o absoluto. Em toda a sua obra, a partir de Contato , Marly de Oliveira segue o preceito acima citado. Ele jamais aceita o injusto, ao contrário, contesta-o a todo instante e recusa a criação. Este último é bastante polêmico, pois há a renúncia, novamente confirmada, de Deus, como criador. A verdade dessa recusa feita por ambos, Marly e Camus , pauta-se no desprezo que Ele relegou ao mundo. Se o amasse, não deixaria tanta dor permanecer. Em A Força da Paixão e em A Incerteza das Coisas , Marly responde ao pensamento camusiano: O deus que nasce é contumaz merecedor de fé. Não é perverso como dizem as más línguas, nem tão bom que não permita mil crianças morrendo em seu lugar...

Jogo de cena

  (Quarta Parte) À procura de formas o trágico acabou por se adaptar a forma literária escolhida para se manifestar, desligando-se, assim, do conceito puro de tragédia, pautando-se mais na fenomenologia literária do mesmo. O trágico não pode ser pensado através de uma reconciliação racional, mas da exposição dos extremos. A tragédia deve ser tomada como modalidade de apreensão artística do espírito do trágico, em um âmbito geral. Ao se tentar escrever pretende-se expor justamente aqueles conflitos que se agitam no interior da realidade moderna e de que o sentido do trágico se alimenta. Pode-se dizer que na concepção moderna o trágico é o conflito apresentado como chaga. Compara-se, de certa maneira, o herói da tragédia grega e a pessoa comum moderna: a vontade, para ambos, não se modificou ao longo, de mais ou menos, vinte e cinco séculos. Se para o herói não havia “vontade”, visto que esse pensava agir por sua escolha, mas, não o era; hoje, não obstante, a vontade recobra es...

Os absurdistas e o sentido da ação

  (Terceira Parte) Após essa visão do trágico moderno, pode-se eleger alguns pilares que o sustentam; a ambiguidade, o paradoxo, o sujeito – tentando o ser – a massa contra poucos, a perda, a essência e a aparência, o conflito aberto. Pode-se sentir-se que as engrenagens da máquina-mundo estão em atrito intenso. Este referido atrito que Albert Camus falará em suas obras. Para ele, o trágico chama-se absurdo e, nesse meio, em que o mundo cala-se diante do apelo, do desespero, que pensador ratificará a necessidade de viver. Expondo ideias um tanto paradoxais, o filósofo afirma e se questiona sobre “ onde está o absurdo do mundo? Será esse esplendor ou a lembrança de sua ausência? Com tanto sol na memória, como pude apostar no absurdo? Espantam-se em volta de mim; eu também me espanto, por vezes [...] Falar dele, em suma, vai levar-nos novamente ao sol ”. Marly de Oliveira sensibiliza-se igualmente com o desajuste moderno. Ao tentar exprimí-lo, a poeta revela traços camusianos...