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Experiências e ecos órficos (5)

  (Quinta e última parte) Ao analisar a poesia de Dora Ferreira da Silva chego à conclusão de que há a enunciação da presença de deusas “ numa época da morte de Deus, tempo de carência e de ausência do sagrado ”. De acordo com minha visão, a poeta Dora traz a vitalidade das deusas nos poemas e assim celebra a renovada atenção aos mitos gregos lembrando que os deuses vivem em nós. A forma como Dora expressa em sua poesia permite que o próprio ser distancie de si e sinta os turbilhões de sentimentos nesse mundo transponível, conhecendo as deusas, o maravilhoso, o incomum. É manifestada a poeta, a artista que decifra todo o acontecer, por esta perspectiva realiza-se o lirismo e evidencia o sujeito moderno. Este ensaio teve como intuito discutir a subjetividade através do sujeito lírico, apreendidos como estado íntimo conferido ao “eu” poético, esvaziamento do ser para experimentar as coisas do universo desconhecido e assim conhecer o inefável e estar fora de si. Entender que ...
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Experiências e ecos órficos (4)

  Pintura de Arina de Barros (Parte 4) Dora Ferreira da Silva, ao explorar a característica do mito, torna viva a alteridade, atentando-se para atemporalidade da tradição, a Grécia, que é presente e reflete no contemporâneo, envolvendo a metafísica no que tange projetar as deusas ao vir-a-ser humano. É prudente assimilar as mensagens de Dora Ferreira da Silva através da percepção sensorial particular do leitor que busca um referencial que está além de nós. Para exemplificar, Roland Barthes (2001, p.131) afirma que “ O mito é uma fala”, “é um sistema de comunicação, é uma mensagem ”. Já Mircea Eliade (2006, p.11-13) considera o mito como um sistema dinâmico proveniente dos arquétipos da humanidade. O mito conta uma história sagrada; ele relata um acontecimento ocorrido no tempo primordial, o tempo fabuloso do princípio [...]. Fala apenas do que realmente ocorreu, do que se manifestou plenamente. [...] Mito é a palavra, a imagem, o gesto, que circunscreve o acontecimento no co...

Nas malhas da teia digital

  Nos anos 70, a gente se deliciava com a tecnologia dos Jetsons, desenho animado, de Hanna Barbera, sobre os costumes de uma família burguesa no futuro, era um ingênuo sonho futurista, penso hoje. Mas a alma dos Jetsons não mudava mesmo com toda a tecnologia. Nos anos 2000, navegar na internet tornou-se uma contradição entre manter comunicação simultânea com milhares de pessoas em várias partes do planeta e estar só? Cheguei à conclusão de que a ampliação do uso da internet produz isolamento. O internauta dedica menos tempo a seus familiares, a seus amigos, isto é àquelas relações sociais de pessoa para pessoa. Pelo que vejo, há uma inquietação, uma angústia: “Seremos milhões de pessoas praticamente sem interação social?”, deixo a pergunta como usuário. Está aí um tema que vale a pena discutir. E, diga-se, não inaugurei o debate, que tem seus 153 anos, se não mais. É uma preocupação que nasce com a modernidade, com a sociedade de massas, com as primeiras metrópoles européias, ...

Experiências e ecos órficos (3)

  (Parte 3) A proposta da autora parece ser “ evocar certa melodia das origens ou uma imagem do originário ” (SILVA, 1999, p.478), evocando figuras mitológicas femininas. Conforme o que o crítico Euryalo Cannabrava (1999) tece sobre a obra poética de Dora, nota-se que se concretiza a ideia de que a poeta tenta reativar o mito pela celebração das deusas, pois para a poeta, a mitologia é uma forma de retomar a essência do ser humano, entendido como animal místico. Nos tempos atuais abordar o sagrado é uma forma de negar a descrença que marca a nossa civilização. Quer dizer, integra ao mito uma forma conservadora ideológica, pois a memória, como forma de pensamento concreto e unitivo, é o impulso primeiro e recorrente da atividade poética. Nesse âmbito, falo da capacidade da memória como fator indispensável para a formação histórica, seja a linguagem, seja reviver o passado pela memória. Isso é um exercício do espírito poético. Evidencia-se no texto que a resistência de recordar a...

Relações sólidas e líquidas

  Escultura Melancholy (Melancolia) do artista romeno Albert György Muito mais do que apenas uma área de consumo, o bar mostra-se um lugar de encontros, trocas e disputas. Sua construção foi pensada apenas para o lazer, mas foi ganhando um novo significado através dos grupos que o frequenta. A cada geração, o bar ganha um novo sentido e pode ser visto de diversas maneiras pela sociedade civil, de um reduto de viciados até o início da revolução. As formas de interação apresentadas no bar podem ser analisadas dentro e fora dele, porque não se pode ignorar as relações sociais que são feitas de expectativas, tanto da impressão que se dá quanto a impressão que se recebe, são apresentadas dentro desse estabelecimento que não é puramente comercial, mas sim social. O bar não foi pensado apenas para se passar o tempo ou descansar, ele surge, em seu atual estilo, como uma forma de recuperar a sanidade do proletário nos grandes burgos da Inglaterra. Assim, os  pubs  se tornara...

Experiências e ecos órficos (2)

                  Parte 2 Dora Ferreira da Silva constrói sua poesia mediante uma inquietude da realidade que é ancorada através de valores patriarcais e da visão etnocêntrica masculina. A poetisa retoma este contexto para mostrar o vigor do universo feminino ao conduzir para um ‘espaço imaginário’ no qual o eu lírico tem a liberdade em experimentar todas as sensibilidades e vicissitudes desconhecidas, dando vazão ao sublime ao “tornar conhecida a voz da alma” (Guimarães, 2006, p.1). Parte do pressuposto para entender que o mito funde-se nesse estado de alma, por apresentar uma visão aprofundada de mundo, que implica e/ou acarreta dizer que o ser humano tenta a descoberta da própria existência por meio do fluxo de consciência. Subjaz no poema de Dora Ferreira da Silva (1999) uma preocupação com a dimensão semântica da palavra, pois há uma intencionalidade por parte da autora em transformar o que é concr...

Experiências e ecos órficos

  Sou poeta isto é deixo que a beleza venha e a acolho em minha alma seu ninho natural para que subitamente levante voo. Dora Ferreira da Silva , escritora paulista de Conchas, expoente da voz feminina, reconhecida por diversos críticos e poetas em virtude de escrever poesia brasileira contemporânea, abordando uma multiplicidade de temas que expressam a transcendência visceral extraída do cósmico. Tem mais peso reportar à poeta como autêntica e grandiosa principalmente por captar em seu labor “ o poder encantatório [...] sua magia verbal, na sua retórica de efeito reversível e projetivo ao mesmo tempo ” (CANNABRAVA, 1999, p.429). Convém proferir que a escritora também foi tradutora de poetas alemães como Rilke , Holderlin , do sacerdote San Juan de la Cruz e outros renomados. Angariou prêmios em sua trajetória como escritora destacando que “recebeu o Prêmio Jabuti por duas vezes atribuído a Andanças (1970) e Poemas da estrangeira (1996); e a menção honrosa do Pen Center a Talh...