Beatniks na livraria City Lights em San Francisco
“Para julgar politicamente os Beats e outros movimentos
é,
portanto, preciso julgar o seu verdadeiro espírito.
Vale lembrar a ideia dos orfistas de que as religiões
e as políticas oficiais reprimiam o apelo dos estímulos
sensoriais,
impondo uma cultura opaca, cinzenta e lógica”
Um dos
equívocos mais frequentes no julgamento de ordem política que se faz ao
movimento Beat que se espalhou pelo mundo, é o de cingi-lo à acusação clássica
de “subjetivismo” e “solução puramente pessoal”. As formulações aproximam a
Geração Beat com existencialismo de mais de três décadas atrás e a geração
Hippie, Yuppie e similares à boêmia artística europeia do pós-guerra. O argumento
racionalista identifica de maneira totalitária todas as ramificações do
irracionalismo e subestima a sua capacidade de também transformar-se ao sabor
da história.
Isso não acontece de estalo, de uma
hora para outra.
É verdade que o ponto de partida da Beat Generation foi subjetivo. Arecusa
de qualquer participação política era a tônica e essa postura correspondia ao
conformismo e à passividade característica da década de 50.
Os anos que se seguiram, entretanto,
ensinaram lições importantes, abrindo acima de tudo a perspectiva da criação de
um novo estilo de vida que começou a tomar forma nas novas comunidades. A
Geração Beat descobrira a suposta impossibilidade de transformar o estilo de
vida vigente, seus sucessores vislumbram a possibilidade de criar um novo
estilo de vida à margem dos valores e das instituições estabelecidas. O
problema, para estes, não é mais mudar a sociedade – o que é a proposição
revolucionária clássica – nem a de resignar-se passivamente às coisas como elas
são em busca da salvação interior – o que caracteriza as soluções “puramente
pessoais”. O problema é de criar uma nova sociedade paralela. Com seus próprios
valores e suas próprias instituições.
Global Village é
a palavra de ordem, não para os indivíduos isolados, mas para as novas
associações comunitárias.
Isso corresponde às mais recentes
posições teóricas da globalização, uma nova expressão para um fenômeno antigo,
a organização de empresas e economias em escalas planetárias. Esta adaptação da
ideia de Marshall McLuhan é sobretudo
financeira, animada por uma disponibilidade sem precedentes de dinheiro ocioso
num mundo que cresce pouco, desemprega muito e convive, ainda, com formas cada
vez mais sofisticadas de exclusão social e desigualdade tecnológica.
Para julgar politicamente os Beats e
outros movimentos é, portanto, preciso julgar o seu verdadeiro espírito. Vale
lembrar a ideia dos orfistas de que as religiões e políticas oficiais reprimiam
o apelo dos estímulos sensoriais, impondo uma cultura opaca, cinzenta e lógica.
É chegada a hora de reacordar os sentidos. Mais que isso, de acordo com o mito
original (de Orfeu), era o momento de resgatar o princípio de que a emancipação
do espírito só poderia decorrer de rituais de catarse e êxtase coletivos. O que
repôs o desejo na arena política. No contexto do populismo do século 20, ele se
tornou, porém, o instrumento decisivo dos mecanismos de cooptação, inclusão e
integração das massas urbanas pela propaganda e políticas culturais. A reação
veio com o neo-orfismo.
Reencontrar a comunhão dos sentidos
e a força do desejo numa dimensão fluida, difusa, lúdica e metamórfica,
desprendida das disciplinas do Estado, do mercado e da padronização das modas. A
história mais recente revela um afastamento crescente do subjetivismo e das
satisfações existenciais restritas ao âmbito privado do indivíduo. A formação
de uma comuna, como ocorreu no final do século 20, nada tem a ver com elas: propõe,
antes, uma nova forma de existência social, pois nada tem de isolacionista e é,
essencialmente, comunitária.
( Páginas 79, 80 e 81. )
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RELIGAR ÀS ORIGENS
Rubens Shirassu Júnior
Ensaios
e Artigos
Ciências
Sociais, Antropologia, Filosofia, etc.
313
Páginas
Editora
Clube de Autores
São
Paulo
Edição: 2011
Formato: A5 148x210
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Acabamento: Brochura
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Tipo de papel: Offset
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