Numa das mais belas e
tocantes metáforas do ato de viver, a Bíblia nos diz que “breve e triste é a
nossa vida”, que “nós nascemos do acaso e logo passaremos como quem não
existiu” e que, “com o tempo, nosso nome cairá no esquecimento e ninguém se
lembrará de nossas obras.”
Nós, escritores,
temos a ilusão de vencer esses limites. Por isso, os acadêmicos chamam-se a si
mesmos imortais. Mas o que torna ou não imortais os escritores são suas obras,
não eles!
De todo modo, depois
da partida para o mistério insondável do post
mortem, restam a obra e a memória, às vezes eternas, de termos sido uma boa
companhia no convívio entre os pares, como pessoa ou como livro, num mundo que
de algum modo sempre segrega os escritores.
Vivemos todos em
campos de concentração. Cabe-nos torná-los menos hostis, já sabendo de antemão
que, às vezes, somos nós os nossos principais inimigos, lutando uns contra os
outros, sem a generosidade das almas modestas e negando a quem discrepa de nós
o direito à discordância. Do contrário, de que valerão os endossos? Somos
obrigados a dizer sempre sim, a todos os livros e autores, e se divergirmos
seremos tomados como censores.
Todos morreremos um
dia, esta é a única certeza que temos. Defunctus
quer dizer pronto em latim. Mas quem decide qual é a hora em que estamos
prontos? Irrompe, misteriosa, repleta de sutis complexidades e contextos jamais
imaginados, a fúria dos acasos.
Essas reflexões
surgiram quando tive os sentimentos desarrumados pelas mortes de Alberto Dines
e Philip Roth. Eles foram e serão doravante, ainda com mais intensidade e maior
alcance – duas referências solares das literaturas brasileira e americana,
notadamente, ao retratarem e ao dissecarem a condição humana. Foram tão grandes
que, não encontrando espaço suficiente em tantos desertos, fundaram seus
próprios oásis, modelando nas areias o paradoxo de nosso tempo.
Nos territórios
preferenciais de suas atuações, eles souberam conciliar caminhos que se
bifurcam: a criação própria de suas lavras, e outros textos, de lavra alheia.
Nas duas fontes sempre buscaram a boa água.
Tudo passa, e passou
isso também. Agora tenhamos de despedida versos como que seguem de Mário
Quintana: “Quando eu for, um dia desses,/ Poeira ou folha levada/ No vento da
madrugada,/ Serei um pouco do nada/ Invisível, delicioso/ Que faz com que o teu
ar/ Pareça mais um olhar,/ Suave mistério amoroso,/ Cidade de meu andar/ (Deste
já tão longo andar!)/ E talvez de meu repouso...”
Comentários
Postar um comentário