Ilustração de Rubens Shirassu Júnior
Como o maior estudo
sobre a homossexualidade no Brasil, as críticas a Devassos no Paraíso partiam das definições em rótulos como “livro
militante” e “pornografia excedida” para segregá-lo numa espécie de gueto encoberto
pela falsa moral, pela culpa, pelo maniqueísmo religioso e pela vida sexual
subterrânea da maioria dos brasileiros. Logo na primeira parte, João Silvério
Trevisan mostra um pouco das históricas teorias científicas, desde o “gene gay”
até as explicações químicas e biológicas ofertadas pela ciência a partir de
1990. Mesmo assim, vale salientar - como fez questão de pontuar - que não tem
objetivo de discutir as causas da homossexualidade, mas tê-la como fato
consumado para abranger as situações decorrentes. Destacam-se os capítulos que
debruçam sobre a cultura homossexual no Brasil, país descrito como enrustido
por natureza e, ao mesmo tempo, que passa para os estrangeiros a impressão de
ter a sexualidade tão à flor da pele. O autor defende com unhas e dentes suas
teorias - sustentadas com impecável embasamento histórico e referências que
passam por nomes como Abelardo Romero, Sir
Roger Casement e Pierre Verger - de
que essa devassidão brasileira ajudou a formar os falsos estereótipos de que somos
um povo muito moderno e liberal, mas, no fundo, dominado pelo moralismo nem
sempre assumido.
“Mesmo quando
existencialmente viscerais, os relatos masculinos resumiam-se, com algumas
exceções, em choques, dilaceramentos e até violência. Neles, a relação amorosa
quase sempre submergia ao impacto sexual de conotações culpadas”, argumenta o
escritor. A influência (e perseguição) religiosa é discutida em um bloco
inteiro de capítulos, tanto sobre a Inquisição quanto pelo cristianismo na
época da escravidão, passando pelos contrastes entre um deus hedonista e um
deus punitivo. Já no bloco seguinte, com o pulo para o século 20, descobrimos o
chocante histórico da homofobia no país, quando as elites intelectual e
política (inclusive os partidos de esquerda) viraram as costas para as pautas
LGBT; o modelo de família tradicional foi construído pela moral e pelos bons
costumes; e a classe médica, sobretudo os psiquiatras, definiram o termo
homossexualismo para associar o comportamento LGBT como uma patologia a ser combatida.
A figura do
homossexual no teatro também evoluiu a partir daquela década, deixando de lado
os clichês exibidos nas peças de Plínio Marcos e Nelson Rodrigues, para mostrar
toda sua normalidade e, por mais perturbador que fosse, sua humanidade. Nos
palcos dos teatros a aids foi abordada quando estourou nos anos 80. Trevisan
produziu uma verdadeira enciclopédia da homossexualidade retratada no cinema,
teatro e literatura, ano após ano. Na música, o objeto de estudo é a geração
transgressora de Renato Russo, Cazuza e Cássia Eller, e de como suas
experiências atrevidas, radicais e, por vezes, autodestrutivas, marcaram uma
era.
Vale ressaltar, a
quarta edição de Devassos no Paraíso,
além de revista e atualizada, ganhou novos (e necessários) blocos, com temas
que vão da bancada evangélica e seus representantes - Jair Bolsonaro, Silas
Malafaia, Edir Macedo - com o retrocesso que trouxeram, e continuam trazendo,
para a pauta LGBT. No que diz respeito à política, ele aborda as alianças que a
própria esquerda faz e que ferem os direitos civis de gays, lésbicas, travestis
e transexuais. Os ataques e censuras à exposição Queermuseu entram na dissertação, assim como a onda de ódio que
matou Marielle Franco e a evolução das novas identidades de gênero em nomes
intelectuais que conquistam seu espaço, como a acadêmica Amara Moira e a
psicanalista Letícia Lanz. Este livro nunca foi tão fundamental e veio na hora
certa, quando os Direitos Humanos estão ainda mais ameaçados e a perspectiva para
o futuro neste final e começo de ano não são animadoras.
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