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As descobertas acidentais









Cada detalhe das diferenças tribais
e da evolução do homem é tão perfeito








ANTES DE ADÃO
(Before Adam)
Jack London
Tradução de Maria Inês Marieira
e Luís Fernando Brandão
Gênero: Ensaios
Coleção L&PM Pocket
L&PM Editores
152 Páginas
Porto Alegre – Rio Grande do Sul







            Jack London foi jornalista, correspondente de guerra, pescador e pesquisador de ouro no Alasca. Ah, e também um dos melhores e mais prolixos escritores de aventuras de todos os tempos; escreveu cinquenta livros em dezessete anos de carreira de sua curta vida (1876/1916).
            Antes de Adão, ensaio de 1906, produzido num dos períodos mais férteis da vida do escritor; em menos de quatro meses ele produziu além deste livro, mais doze contos. É muita coisa para um simples mortal.
            No volume de 152 páginas o(a) leitor(a) encontra as memórias de um homem do século vinte, porém reminiscências de sua vida ancestral. A Psicologia já desvendou alguns sonhos constantes dos homens, em que estariam presentes sensações vividas por nossos antepassados em períodos remotos, mas o personagem do livro não tem só sensações; em seus sonhos vê nitidamente toda sua vida na época pré-histórica.
            Ele se vê um quase-homem, por ele mesmo apelidado de Dentuço, que nasceu no meio do povo das árvores, que dormia em bifurcações de troncos, para não ser devorado durante a noite por tigres, leões e cães, que eram o único medo, e não as criaturas sobrenaturais que sempre imaginamos. Dentuço é expulso de casa por seu padrasto, e vai viver com o povo das cavernas, este um pouco mais evoluído que o das árvores, mas que teme o povo do fogo que é mais avançado que os outros, tendo já desenvolvido o senso comunitário e a organização de guerra. No povo das cavernas, Dentuço arruma um amigo, Orelha-de-Abano, e um grande inimigo, Olho Vermelho, considerado pela tribo como o atavismo, já que é mais peludo e mais arcado que o normal, parecendo muito com um primata, mas que também tem estranhas semelhanças com o homem; ao contrário de todas as outras espécies existentes na época, ele é o único que mata as suas fêmeas, e se torna respeitado, não por sua astúcia, mas pela violência que de tão infundada chega a ser humana.
            London mostra como as descobertas eram acidentais e como na maioria das vezes, não se sabia utilizá-las: Dentuço e Orelha-de-Abano descobrem a navegação casualmente, quando começam a boiar sobre algumas madeiras, sem desconfiar que a brincadeira poderia ser útil para o transporte e muito menos de que resultaria no escândalo da Sunamam.
            As descrições do período pré-histórico são tão belas quanto precisas. Cada detalhe das diferenças tribais e da evolução do homem é tão perfeito, que Antes de Adão foi adotado em cursos superiores de Antropologia nos Estados Unidos da América.
            Entretanto, o mais impressionante é que London conta como a desorganização e o atraso das tribos tinham como maior causa a falta de domínio da linguagem, então à base de uns poucos sons. Pensando bem, os milênios não corrigiram de todo este defeito do homem.






  





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