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Mostrando postagens de julho, 2016

Sol nos descarnados

Essas vozes, quando juntas, sussurram uns nos outros amparados nesses diálogos inexpressivos, como pés de ratos sobre cacos. Os que atravessam de olhos retos, para outro reino uma fôrma sem forma, sombra paralisada gesto sem vigor; os olhos são como a lâmina do sol nos ossos de uma coluna de tédio neste encontro derradeiro com o manancial morto oscilando entre a vida e a morte, vi-me na outra margem do rio enegrecido. Aqui, na superfície, o eco redivivo de contenda vil é um rosto que, ao chorar, transpira? Aqui, as imagens de pedra estão eretas, recebem a súplica da mão de um morto sob o lampejo de uma estrela agonizante, distante e solene. E nisto consiste o reino crepuscular do vento que não canta lá, onde as árvores não têm ramos que eu possa trajar no reino do sono pele de rato, plumas de urubu, travesseiro do sono profundo de almas danadas e pesadas, rezam as pedras quebradas no último sí

Desprezo pelas convenções

De óculos de aros negros e pesados: uma forma de protesto contra o padrão estético vigente nas sociedades de consumo Maior escândalo veio com “Teorema”             Efemérides são pretextos. No caso dos 45 anos da morte de Pier Paolo Pasolini, ocasião para se reabrir um caso insuficientemente explicado, o “delito italiano” consumado numa noite de novembro de 1975 na feia Praia de Óstia. Pretexto também para reavaliação crítica de uma obra que a morte prematura torna artificialmente “completa”. Foram 12 longas-metragens, mais três episódios em filmes coletivos, e os roteiros escritos para outros diretores.             Primeiro os roteiros. Pasolini colaborou em A Mulher do Rio , de Giovanni Soldati, Noites de Cabíria , de Federico Fellini, A Noite do Massacre , de Florestano Vancini, Morte de um Amigo , de Francisco Rosi. Não foi creditado por Cabíria . Seu trabalho mais importante foi com Mauro Bolognini, com quem fez O Belo Antônio , Os Namoros

Lamentações do tártaro IV

Pela sua surdez, o rio é uma cobra esculpida de so(m)bras de terra diante do meu olhar crava-me um deserto nas entranhas. O rio desmonta o seu curso iça suas velas, sumindo suas imagens se interna dentro do poço do calabouço em si mesmo. Nada me aparta do manancial, sem domínio, sem obsessão, maior que o prazer de explorá-lo, não é a sensação de descoberta, mas a música interior que a água compõe, desmedida de minha alma, de meu espírito, exigindo um rompimento altivo e definitivo com o medo. O rio corre adiante viaja entre as estrelas me escapando das artérias dos olhos. Te vejo como leito sem pulso, estirado um outro rio percorre em tua calha exposta. Escoadouro de pruridos, do insano progresso, acumulando pedras nas vísceras, represa anzóis, onde arrastei cardume de sonhos na pele rugosa, hoje, cansada, aos trancos e barrancos, hiberna tantos (des)caminhos camuflando divis

Ativista do corpo e dos sentidos

Obra do artista é marcada pela provocação              É quase banal dizer que a vida de Pier Paolo Pasolini foi marcada por escândalos. Ele era mesmo uma revolução ambulante. Toda sua obra foi crítica, no sentido mais radical e provocativo do termo. Mas não só sua obra. Pasolini não atacava a sociedade que desprezava apenas em poema, dos, ensaios, romances e filmes. Fazia crítica com seu corpo, era uma espécie de ativista dos sentidos.       Isso nunca foi muito tolerado. O Partido Comunista Italiano, do qual Pasolini fez parte durante alguns anos, nunca engoliu o fato de que ele, homossexual assumido, gostava de sair com os “ragazzi di vita”. Era um escândalo para a moral obreira do ex-PCI.      Havia outras dissidências com o partidão italiano. Pasolini nunca deixava de repetir que Antonio Gramsci era influência mais importante do que Karl Marx. Mais: trazia para dentro do PCI um intolerável germe cristão, ainda que anárquico e primevo.

Lamentações do tártaro III

Êxodo de Lasar Segall Aroma de ar quente, de chuva ácida com terra e de couro curtido. Corado clarão de sol deixando perceber a impaciência do estômago vazio. A terra infértil arrancara milhares de almas infecundas do subsolo infeliz, vêm de dentro as formas decrépitas do povo caminhando no chão estragado. O ar morto fede odor de couro curtido e o ardente calor da terra racha-me os pés como se fossem incisões de bisturi e assim pensando ante à rotina que me oprime julgo ver este espírito infeliz, que em mim se encarna se aflige, se afobe como quem raspa a sarna, chama-o de girassol de asas crepitantes. O motor quente do centro da Terra para, e transforma em cemitério de matéria dissolvida. Eis o horrendo cataclisma da química feroz, onde produz remoinho que puxa para o abismo. Quando a estiagem segue sinto uma desproteção total, violenta e eu mesmo sendo dissolvido pelo calor externo ao corpo

Egotrip e outras paradas

Como Charles Bukowski, ele mostra uma desilusão alojada na alma de seus personagens:  tudo o que vier, será aceito             A novela Nervus Sympathicus , do prudentino Nivaldo Gonçalves rompe os rígidos limites entre os gêneros clássicos; sua linguagem chega a ser despojada, coloquial, numa ruptura com o academismo. Nervus é uma narração em terceira pessoa. E, nesse ponto, gostaríamos de chamar a sua atenção para um detalhe: Aparentemente estamos diante de um narrador impessoal, onipresente, onisciente, que nos reproduz falas e pensamentos dos personagens, que nos decifra sensações e sentimentos; entretanto, em várias passagens nos deparamos com o narrador falando em primeira pessoa, emitindo juízo de valor sobre diferentes facetas da realidade do interior paulista e do Brasil (ganância, ambição  desmedida, tradição, preconceito, etc.).      Evidentemente, quem nos fala não é um narrador impessoal; em várias passagens, ele se despe e podemos

O valor de bibliotecas

Biblioteca Aprosiana de Ventimiglia, na Itália Pessoas de bons conhecimentos bibliográficos abriram sebos  nas principais capitais brasileiras, comercializando o livro usado como mercadoria boa e valiosa,  mudando completamente o conceito comercial do livro usado             Até as três últimas décadas, o valor comercial de bibliotecas era tão crítico que os proprietários ou herdeiros não eram motivados a negociá-las nos sebos. A comercialização dos livros usados era exercida, quase sempre, sem nenhuma técnica. Os livros eram jogados no chão onde os compradores os reviravam como objetos desprezíveis. Não havia o mínimo zelo pelos livros, o que era lamentável. Nessa conjuntura, destinar bibliotecas aos sebos era realmente um atentado à cultura. Como não tinham valor comercial, ainda hoje não são arroladas nos bens deixados para a família. A solução mais viável era doá-los ou simplesmente deixá-las entregues à sanha destruidora dos ins