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A senhora medo e a poesia do cotidiano


A poeta mineira e a busca do encontro





“O medo é a emoção mais terrível que conheço.
Eu sou um monte de medos...
Se alguém quiser uma palavra
para me definir, fale:



A SENHORA MEDO”


“E só o cotidiano me interessa,
porque ele é a vida de todo mundo.
Um rei é poderoso, cerimonioso,
extraordinário para nós
que não somos reis nem poderosos.
 Mas o cotidiano dele não deixa de ser um cotidiano.
Então, a única coisa que me interessa
como ser humano é o cotidiano, é o real.”



Desejo




“Minha mãe falava: quem caça, acha. De vez em quando tenho uma migalhazinha, um vislumbre, uma pálida amostra do que seja. Isso é a felicidade absoluta, porque encontrando a si mesma, você vai encontrar uma coisa maior. Nada vale tanto quanto isso. E a gente é bobo, né? Fica caçando outras coisas, e enquanto procura é muito divertido, a gente ri, chora, arranca os cabelos. Encontrar a si mesmo é o que eu desejo com toda a força da minha alma, para mim, para as pessoas que amo, para as pessoas que não amo também. Esse é o tesouro escondido, a pérola escondida.”



(Entrevista do Mês, A Senhora Medo, de Adélia Borges,
jornal Leia, Ano IX, Nº 102, abril de 1987,
páginas 26 a 30, editora Juruês, São Paulo.)





O PELICANO




Um dia vi um navio de perto.
Por muito tempo olhei-o
Com a mesma gula sem pressa com que olho Jonathan:
Primeiro as unhas, os dedos, seus nós.
Eu amava o navio.
Oh! Eu dizia. Ah, que coisa é um navio!
Ele balançava de leve
como os sedutores meneam:
À volta de mim busquei pessoas:
Olha, olha o navio
e dispus-me a falar do que não sabia
para que enfim tocasse
no onde o que não tem pés
caminha sobre a massa das águas.
Uma noite dessas, antes de me deitar
vi – como vi o navio – um sentimento.
Trava de interjeições, mutismos,
vocativos supremos balbuciei:
Ó tu! E Ó vós!
- a garganta doendo por chorar -
Me ocorreu que na escuridão da noite
eu estava poetizada,
um desejo supremo me queria.
Ó misericórdia, eu disse
e pus minha boca no jorro daquele peito.
Ó amor, e me deixei afagar,
a visão esmaecendo-se,
lúcida, ilógica,
verdadeira como um navio.


Adélia Prado


(O Pelicano, Editora Guanabara, 78 páginas, 1987.)


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