Álvaro Alves de Faria em recente evento em São Paulo
Para quem não sabe, UBE quer dizer União Brasileira de Escritores. Já foi uma entidade séria e representativa. Hoje não é mais. Nem sei, ao certo, o tempo em que fui associado da UBE, de São Paulo. Mas são mais de quatro décadas, seguramente. Participei de muitas campanhas de eleição na UBE. Nunca aceitei qualquer cargo de direção na entidade.
Trabalhava por uma chapa por convicção literária e também ideológica. Sou apenas um poeta. Um poeta que se dedicou a vida inteira à Poesia. Também sou um jornalista que se dedicou a vida inteira ao jornalismo cultural, à crítica e à promoção de livros.
Por exemplo, no suplemento “Jornal de Domingo” que criei e editei por 13 anos no extinto Diário de São Paulo, dos Diários Associados, havia lugar para todos, democraticamente, até para desafetos declarados. Por esse trabalho em favor do livro e da literatura foram me concedidos dois Prêmios Jabutis de Imprensa, da Câmara Brasileira do Livro, e três Prêmios Especiais da Associação Paulista de Críticos de Arte.
Nesse tempo, anos 70, 80, a UBE ainda era a UBE, que participava inclusive das questões políticas, com posições coerentes e firmes em defesa de escritores que enfrentavam problemas com a ditadura. Eu, por exemplo, fui preso cinco vezes pelo Dops, como subversivo.
A última prisão tento esquecer até hoje, mas sei que não esquecerei nunca.
Voltando ao assunto: nunca aceitei cargo de direção na UBE, quando ela era, de fato, uma entidade representativa dos escritores. Hoje não é mais. Sempre pertenci a uma corrente combativa no jornalismo. Mesmo nas questões culturais. E na literatura também. Um poeta e jornalista por mais de quatro décadas associado à UBE, sem nenhuma mancha que pudesse desabonar a mim ou a entidade. Pois agora a UBE realizou um Congresso de Escritores na cidade de Ribeirão Preto. A bem da verdade, fui cogitado, numa conversa de um ou dois minutos, durante um lançamento de livro, para realizar no evento uma Oficina de Poesia, coisa que está na moda. Declinei e sugeri que a UBE promovesse, no Congresso, uma leitura de poemas, com a participação de muitos poetas. Afinal, ao meu ver, isso caberia facilmente numa programação tão extensa. Insisti na leitura de poesia com vários nomes, por acreditar que os poetas enriqueceriam o evento. Insisti várias vezes. Não obtive resposta nenhuma.
O poeta Luis Avelima enviou-me uma mensagem generosa pedindo que eu me inscrevesse no evento. Mas o fez, acredito, em nome pessoal. Senti que a idéia de uma leitura de poesia com a participação de vários poetas estava fora de cogitação. O Congresso de Escritores foi realizado deixando subtendido na sua programação que Poesia é artigo de segunda ou terceira categoria. E para falar sobre poesia brasileira, a UBE convidou o poeta português, Luis Serguilha, que se encontrava no Brasil na ocasião. Nada contra o poeta. Mas a UBE deu a entender que não temos gente capaz de falar sobre poesia brasileira. Temos sim: escritores e ensaístas de peso, sérios, honestos e que, aliás, participaram do Congresso, mas discutindo outros assuntos. Estavam no evento escritores, ensaístas e poetas que conhecem a fundo a Poesia do Brasil. Mas não: preferiu-se um poeta de fora para falar sobre a poesia brasileira. Eu, particularmente, vejo nisso uma afronta. Diante desse descaso em relação à Poesia, pedi meu desligamento da UBE, uma entidade muito distante daquela que conheci.
Hoje, uma entidade que diz ser de escritores e que, de maneira inexplicável, relega a um segundo plano a Poesia de um país que é considerada uma das mais ricas do mundo. Escrevi uma carta ao senhor presidente da UBE pedindo meu desligamento. Ele não respondeu pessoalmente, por falta de educação ou por descaso. A resposta foi lacônica, assinada pela Secretaria Administrativa.
A seguir, agradeci o meu desligamento com outra carta. Apresento toda essa documentação aqui. No final, isso tudo revela a cara deste país em que vivemos.
A UBE, hoje, é uma entidade que ninguém sabe ao certo o que significa ou representa. Lamentavelmente.
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Logo abaixo, a troca de mensagens entre o ex-associado poeta Álvaro Alves de Faria e a UBE de São Paulo:
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1.
Caro Joaquim Maria Botelho
Presidente da UBE-SP
Não sei ao certo há quanto tempo sou associado da União Brasileira dos Escritores em São Paulo, mas, pelos meus cálculos, há mais de 40 anos.
A realização do recente Congresso de Escritores em Ribeirão Preto constituiu, para mim, uma profunda decepção. Acreditei que, a esta altura da vida e por tanto tempo sendo um associado, poderia sugerir algo que, ao meu ver, enriqueceria o evento.
Por várias vezes pedi que fosse realizada uma sessão de leitura de poemas, com vários poetas convidados. Nada individual.
O que mais choca é saber que um poeta estrangeiro - contra o qual nada tenho, por ser inclusive meu amigo - foi convidado para falar sobre poesia brasileira.
Para mim, particularmente, isso soa como um verdadeiro insulto, porque temos aqui - e nem é preciso dizer - gente capacitada que poderia falar sobre a produção de poesia neste País.
Senti, então, que a Poesia, nesse Congresso, foi tratada como um artigo de "segunda categoria", talvez uma "arte menor", tal o descaso que a UBE dedicou a esse gênero literário.
Tal o descaso que a UBE dedicou aos poetas de São Paulo, particularmente, e de outros Estados do País. Para mim, isso é inaceitável. Sendo assim, não me sinto representado em nada na UBE e peço meu desligamento de seu quadro associativo.
Peço, por gentileza, que esta solicitação seja atendida, porque é em caráter irrevogável.
Agradeço sua atenção
Atenciosamente,
Álvaro Alves de Faria
( Texto publicado na edição de Nº 33, págs. 40, 41 e 42,
do e-zine Chico´s, de Cataguases, M.G., em dezembro de 2011. )
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