Visão noturna da cidade
Na falta da unidade formal
que têm as cidades europeias,
Presidente Prudente faz tábula rasa
de sua experiência
sensorial
A
velocidade das mudanças territoriais e sociais em Presidente Prudente, gerada
pelo seu crescimento econômico no último século, cria uma dinâmica de
expansão/destruição sem precedentes. Como quase toda média cidade dos países
subdesenvolvidos, esse processo dá-se sem que se conforme, ainda que
momentaneamente, um modelo espacial que registre algo de intenção e ordenação
definido por parâmetros formais, funcionais ou sociais.
O que permanece, e já estamos
habituados a isso, é o contínuo alterar das configurações socioespaciais da
metrópole.
Taipa, tijolo, concreto, aço e vidro
sucedem na absolescência alucinada das construções e na sua valorização.
A tranquilidade observada nas
grandes cidades europeias - abaladas também pelas grandes transformações
sociais das últimas décadas - deve-se ao fato de, apesar das alterações e do crescimento,
um padrão formal, espacial e social ter se consolidado. E é a partir dele que se processam as mudanças. Essa ideia
de unidade formal das cidades nos é impossível e flertamos com ela apenas de
modo cínico.
E, quando dizemos “essa cidade não
tem memória”, aplicamos um atributo humano a esse território. Nossa memória
atualiza uma ausência, no tempo ou no espaço.
A plasticidade com que isso se
passa, nos insondáveis processos da psique, reorganiza os acontecimentos e os
ressignifica no presente. Mas a retenção ou o esquecimento desses
acontecimentos deve-se à intensidade da experiência que gerou tal lembrança.
É por isso que, diante da metrópole
moderna, Walter Benjamin anunciou o fim - ou o empobrecimento - da experiência.
Metrópole e memória rivalizam na consciência alienada. A compressão
tempo-espaço que a máquina metropolitana realiza anula progressivamente a
possibilidade de ordenarmos os fatos na nossa consciência individual e
coletiva. Não temos mais ausências no mundo conectado on line.
Esse fato - a barbárie positiva da
tabula rasa da experiência - foi o grande ensaio moderno (arte e arquitetura).
Libertava a massa urbana das neuroses burguesas advindas do fim da
autenticidade do mundo anterior à era industrial e tecnológica, em direção ao
novo. Mas também, como mostrou a história, seria a base necessária para o
constrangimento mecânico e inumano da exploração fordista.
Cidade
Patrimônio
Na opinião de Luiz Recamán,
arquiteto e coautor de Arquitetura Moderna Brasileira, “nos libertários anos
60, a grande novidade na tentativa de superação das aporias da arquitetura e
urbanismo modernos foi exatamente a reativação da memória e do sentimento de
pertencimento. Mas aí já estávamos em plena virada cultural, e o sentido
buscado na reconstrução da “polis” se diluía no mundo do espetáculo.”
Todo esforço de arquitetos como Aldo
Rossi levaram que o sociólogo Henri-Pierre Jeudy chama de “patrimonialização
das cidades”, como anunciava, já no início dos anos 1990, Otília Arantes.
As cidades de São Paulo e Presidente
Prudente, como exemplo, padecem desses dois extremos da arquitetura: a tabula rasa
e o “patrimonialismo”, sem claro, ter alcançado o que de bom essas radicalizações
propiciaram na primeira rodada no local de origem (a ênfase na dimensão social
das cidades, quer na habitação coletiva, quer em seus aspectos públicos). São,
por aqui, resíduos deformados do impulso original. Ambos se generalizam e
entram em sintonia com os mecanismos de especulação imobiliária destas cidades.
A Estação da Luz, em São Paulo, a
antiga estação de trens, o prédio das Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo, atual
Centro Cultural Matarazzo, ambos reformados e minuciosamente recuperados,
enterram seus programas-sentidos – a história vivida da circulação ferroviária
e do acesso/interdição às cidades durante mais de meio século – e celebra a
superfície brilhante do exemplar histórico museificado.
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