(Primeira Parte)
“Monólogos do afeto”, reunião de poemas
escritos ao longo de quatro anos, marca a entrada de Lupe Cotrim Garaude na poesia em 1956, mesmo ano em que Lélia Coelho Frota estréia com “Quinze Poemas” e Mário Faustino inaugura sua página “Poesia-Experiência” no suplemento cultural do Jornal do Brasil.
Surgem ainda neste ano “Azul profundo”,
de Henriqueta Lisboa, e “O monólogo vivo”, de Renata Pallottini. Em sua viagem ao Rio
de Janeiro para o lançamento de “Monólogos”, Lupe encontra Manuel Bandeira, Cecília
Meireles, Cassiano Ricardo, Paulo Mendes Campos. Inicia-se também neste
período sua correspondência com Carlos Drummond de Andrade, uma amizade
epistolar que duraria quase 15 anos. Sempre firme em sua visão crítica,
interessada no lado humano e se dizendo essencialmente lírica, Lupe Cotrim Garaude desde cedo é
incluída pela crítica na “boa safra de poesia feminina”, ao lado de Renata Pallottini e Hilda Hilst. Como lembra Leila
V. B. Gouvêa em sua biografia sobre a autora, as três poetas, nessa época,
comungam na predileção pelos temas clássicos do amor, da solidão e da morte,
reverberando muitas vezes uma voz lírica indistinguível.
Associada,
neste início, a uma poesia confessional e intimista, Lupe não deixa de mostrar
indícios de seu viés existencialista, o que irá aproximá-la mais tarde dos
chamados poetas filósofos. Curiosamente, embora todo o processo de objetivação
consciente que a autora busca para a sua poesia a partir de 1963,
aproximando-se da filosofia, é no fervor de uma experiência catártica que seus
poemas se mostram mais poderosos. Os oito poemas de “Monólogos do afeto” selecionados para constar em sua antologia
expõem justamente sua desconfiança em relação à objetividade, ao comedimento,
às certezas que são impostas sobre tudo o que possa parecer indefinível,
insubordinável à razão, enigmático. “Manhã
clara” é um poema exemplar nesse sentido:
Hoje
a manhã transparente
contorna
todas as coisas
com
sua límpida e clara
função
de esclarecer
(…)
sem
saber nada ocultar,
deixando-me
só e precisa
nas
coisas irresolvidas
-
devassada em nitidez.
Contra
a violência dessa “nitidez solitária”,
Lupe esboça já no primeiro livro seu desejo de diálogo, de encontro com o
outro. Essa busca prenuncia “Raiz comum”,
livro que virá em 1959. Fundamental e reincidente na poesia de Lupe, a natureza
aparece numa profusão de elementos simbólicos, como o verdor, um verdor de
folha, de fôlego, de âmago, mistério, fecundidade e persistência: é a força
irreprimível da vida que impregna seus versos, uma força que alimenta, além do
lirismo, seu gradativo engajamento nas questões sociais, políticas e
filosóficas da época. Essa mesma força, que tem a poesia em seu lugar central,
expande-se para experiências intelectuais várias, emocionais, artísticas e
cotidianas, como o estudo de línguas, a psicanálise, o canto lírico, a formação
em biblioteconomia, viagens à Itália, França e Alemanha.
Em
novembro de 1958, o poeta Carlos Drummond
de Andrade entrevista Lupe Cotrim
Garaude para o jornal “Correio da Manhã”, e disso resulta uma espirituosa
série de perguntas e respostas. Pouco
tempo depois dessa conversa entre poetas, Lupe
autografa seu livro “Raiz comum” em
um lançamento prestigiado por artistas e escritores, entre eles, Lygia Fagundes Telles, que reconhece nos
novos poemas um parentesco com “os sonetos de Vinícius de Morais, graves e contidos, embora ternos”. O lirismo e
a preocupação formal são dominantes. O tempo, o amor e a morte são seus motivos
poéticos, agora já aliados ao tema do fazer artístico, à consciência de si e a
uma beleza que contempla, depois das sensações, o pensamento: “Compreendo, porque sinto / e depois penso: -
Não corrijo as sensações - / apenas as configuro e lhes dou sentido”. Além
de encarnar a raiz dos encontros, a natureza, para Lupe, tem na pedra o signo
perfeito do seu “destino mineral”, que diz respeito a um destino ao mesmo tempo
humano e literário, pelo que a poeta anuncia: “hei de surgir um dia em cristal puro”. Depurada, portanto, e
lúcida, numa síntese de coração e pensamento.
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