(Terceira Parte)
Em
junho de 1964, dois meses após o golpe militar, em meio às acaloradas
discussões dentro da universidade, acontece o lançamento de seu quinto livro, “O poeta e o mundo”. Embora muitos se
refiram a uma crescente mudança na dicção da autora, que pouco a pouco se
aproxima da crítica social e de um rigor cabralino, é reconhecível nesse novo
livro aquela mesma voz inspirada que continua a fazer dos seus motes poéticos o
amor, o tempo, a palavra humana encarnada na vida, e a infância, agora
recapturada como “corpo de semente” na existência de um filho.
A
poesia de Lupe renova-se, “poema no
poema, / tempo no tempo / sem temer conceito e sentimento”. E prova nesses
versos de “O poeta e o mundo” o frescor de um antigo soneto de “Raiz comum”,
seu segundo livro: “Que a nossa lucidez
não nos devore. / E não perturbe em nós uma aparência / e o amor mais seja
aquele a quem se adore”. Renova-se um desejo de beleza, esse desejo
que em “Cânticos da terra” faz da borboleta “o sonho da rosa, querendo ser um
voo na paisagem”. Dentro do tempo e do poema, Lupe encarna este sonho,
sobrevoando, agora, a “paisagem de uma aula de filosofia”, um poema que fala da
pedra, da raiz, da flor e do animal para falar do medo, do amor, da morte e do
infinito.
Entre
1964 e 1965, Lupe viaja com José Arthur Gianotti para o Chile em lua
de mel. Lá encontram Thiago de Mello,
que prepara seu livro “Faz escuro mas eu
canto” e por intermédio de quem visitam Pablo
Neruda. A viagem, por sua razão primeira de ser para Lupe, e também por
seus encontros humanos e suas paisagens naturais, alimenta alguns dos seus mais
belos poemas, que vêm à luz em 1967, com o livro “Inventos”, um ano depois do término de sua graduação e do
nascimento de Marco, seu segundo filho.
“Mais lírica do que nunca”, define-se a
autora em uma carta a Drummond, pouco
antes de concluir seu curso de filosofia. Com essa revelação apaixonada, mostra
que não se deixa encamisar por conceitos, teorias ou métodos em seu processo de
criação. Sua série de “Monólogos”, no
entreato “De amor” desse novo livro
de 1967, já remete, pelo título, àquele lirismo original de sua estreia. “Monólogo IV” é um dos antológicos dessa
série, citado por Lygia Fagundes Telles, num bilhete à poeta, para falar da
maturidade conquistada, da prevalência da beleza e da harmonia:
É
o tempo meu receio, não o amor,
que
este perdura. Por novos desígnios
refaz
em outro aquilo que não for
mais
seu momento: trama outro domínio.
Esta
brisa entre nós, este sossego
agudo
de desejo, esta presença
alerta,
esta carne toda apego
certo
se apagam: tempo algum sustenta
ou
seduz uma solta intensidade.
É
a hora que me assusta: o amanhã
do
íntimo ser neutro, e a unidade
uma
palavra a mais na posse vã.
O
futuro só nasce de um invento:
nós
dois, amor, nós somos este tempo.
Impressiona
este vago, mas constante pressentimento que Lupe
tem da fugacidade da vida, apressando-se em inventar seu tempo, por ameaça de
que amanhã já seja tarde. Pupe e Marco, seus filhos, são também criações desse
futuro, concreta e poeticamente. Impressiona que a poeta escreva para o filho
ainda pequeno versos que soam premonitórios: “O nosso reencontro se dará / no ventre de vários cruzamentos / que nos
defrontam / enquanto construímos nosso rumo / intimamente unidos e separados /
para que o mundo continue a nos caber / por nossa própria conta”. Esses
versos, do poema “Primeiro marco”, que integram o livro “Poemas ao outro”, será
lançado somente após a morte de Lupe, em 1970. E, de fato, este reencontro que
a autora prevê acontece em livro em 1983, numa antologia dos poemas de Lupe
intitulada “Encontro”, cujo prefácio é assinado por Marco, então com 17 anos.
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