(Segunda Parte)
Em
1960, é publicada em Lisboa a antologia “A
nova poesia brasileira”, de Alberto Costa e Silva, com poemas de Lupe. Surge no ano seguinte “Entre a flor e o tempo”, pelo qual a
autora recebe menção honrosa do prêmio Pen Clube de São Paulo. No texto de
orelha do livro, Cassiano Ricardo
propõe uma conversa imaginária entre a poeta e seu leitor, engendrada a partir
de versos de Lupe. “Bastará ser lúcido para ser poeta?”, pergunta o leitor, ao
que a poeta responde: “Trata-se não de
uma simples lucidez, mas de uma ‘lucidez encantada”. Entre a defesa do amor
contra o vazio (“Que o amor assim perdido
se conforme / e renasça na forma de outro amor) e um olhar crítico sobre a
poesia de seu tempo (“Isoladas, as
palavras são mudas. / (…) / Falam, / quando entranhadas / na carne vivida de
nossa vida.”), a autora já expressa nos poemas de “Entre a flor e o
tempo” sua necessidade de realização como poeta “na medida de sua concepção de mundo”. Começa aí, ou talvez antes,
seu interesse pela filosofia, da qual, no entanto, Lupe não deixará de
desconfiar, mesmo com sua entrada no mundo acadêmico a partir de 1963.
Em
junho de 1962, nasce sua filha Lupe Maria Ribeiro Lima, do relacionamento com
Marinho Ribeiro Lima, de quem se separa pouco tempo depois. Num redescobrimento
de si mesma, a poeta explora em seus versos o sentimento da maternidade. Em
dezembro do mesmo ano vem seu livro “Cânticos
da terra”, um precioso bestiário com ilustrações de Aldemir Martins editado
por Massao Ohno. Os poemas,
inspirados no contato sempre próximo de Lupe com a natureza, são recebidos pela
crítica com entusiasmo, ao lado de “Sete
cantos do poeta para o anjo”, de Hilda Hilst, também lançado em 1962.
Em “Cânticos da terra” um exercício de
“apreensão do real concreto” que distancia a autora do tom intimista de seus
livros anteriores. De fato, vai desaparecendo a subjetividade daquela que
escreve, no entanto, esse desaparecimento se dá no interior da subjetividade do
seu mundo, donde a íntima relação sensível entre a poeta e a natureza, tão bem
simbolizada na “síntese do centauro”, que Lupe
Cotrim Garaude deduz da imagem de um homem a cavalo.
Em
seu poema epílogo “Entre arma e torre”,
elogiado por Drummond, delineiam-se os caminhos de um humanismo que será
frequentemente abordado na leitura de sua obra pela crítica: “Não fratura da palavra / na forma indecisa
/ que joga e não fala. / (…) / Não procura da mensagem / a ser arma guerreira /
no gesto da coragem. / (…) / Antes / olhar o homem para o homem / dentro da
natureza, / linguagem secreta no eterno / presente do que vale. / E permanece.
/ Assim ser poeta”. Aqui, Lupe
faz o elogio da mesma concepção poética de tempos atrás (pois em sua obra não
há rupturas, senão aprimoramento e progressiva realização de sua potência): “gosto de viver sentindo e com consciência”.
O
ano de 1963 é prolífico e gratificante para Lupe
Cotrim Garaude. É quando inicia seu curso de filosofia na USP, frequenta
grupos de estudos e suas leituras avolumam-se, seguindo o remoinho político e
social da época. As reflexões sobre a linguagem aprofundam-se, bem como o
interesse pela fenomenologia, cujo raro expoente na poesia brasileira, para Lupe, é João Cabral de Melo Neto. Dividida entre a faculdade, a
psicanálise, o emprego e os cuidados com a filha, a poeta leva para a escrita
seu engajamento, sem, no entanto, perder de vista seu lirismo, buscando sempre
realizar o que é sua definição mesma de poesia: um “milagre de síntese entre o
sensível e o racional”.
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