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Faces da cozinha na literatura

    Um livro, muitas vezes, nasce como uma flor. Ou um apetente prato para cuja elaboração é indispensável amor, carinho e muita atenção. A literatura na degustação , um ensaio aberto e disponível a todos os deuses e mortais que apreciam a boa mesa, nasceu assim. Era preciso publicar algo que ilustrasse e defendesse a nossa cozinha. Que a mostrasse com todas as suas virtudes, prazeres e inesgotável criatividade, no escolher, no fazer e no degustar, antes, durante e depois... Por outro lado, que também a comparasse aos manuais e as memórias gustativas de autoras como Laura Esquivel, do México, e Isabel Allende, do Chile. Rubens Shirassu Júnior desde 2018 pesquisou, refletiu e encontrou a melhor forma de apresentar este livro. Ele ficou pronto. E representa a continuação de um esforço, e esse esforço não vai se limitar apenas a dois ou três livros. Outros virão. Pretende revelar o Brasil para nós mesmos. E para os outros países. Mostrar a flora. A fauna. A imensidão amazônica. As
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Sabores no corpo da memória

  Quantas toneladas de comida e bebida já foram consumidas na história da literatura? Quantas ceias, saraus e banquetes, quantos petits déjeuners , piqueniques e monumentais bebedeiras já foram tematizadas pelos grandes escritores? De Homero a Tom Wolfe, passando por Rabelais e pelo século XIX (Honoré de Balzac, Gustav Flaubert, Guy de Maupassant, Eça de Queirós, Machado de Assis), até chegar aos clássicos contemporâneos (Marcel Proust, James Joyce, Louis-Ferdinand Céline), a grande literatura tem muito de uma história de celebrações. Desse tema inocente podem-se extrair interessantes lições. A mudança nos paladares e cardápios acompanhou, mantidas as proporções, profundas transformações históricas. Se a leitura já é, em si mesma, um ato de degustação, a degustação nos grandes livros nunca é gratuita. Em Jorge Amado o prazer em preparar os pratos para sedução nos romances Gabriela, Cravo, e Canela e Dona Flor e seus dois maridos e as recordações gustativas de algumas crônicas s

Imprensa e literatura em convergência (3)

  (Terceira parte) O espaço da crítica literária na imprensa Nas décadas seguintes, consolidou-se o que a Teoria Crítica chamou de “cultura de massas”, e, em paralelo a isso, ocorre uma mudança no perfil da crítica literária no Brasil. De acordo com Süssekind (2003), entre os anos 1940 e 1950, havia a chamada “crítica de rodapé”, feita por bacharéis não especializados. Aos poucos, outro modelo de crítica ganha espaço: a universitária, ocasionando uma substituição do rodapé pela cátedra, ou seja, passando a palavra (e o poder) para aqueles com aprendizado técnico, os críticos-professores. Dessa forma, os anos 1960 a 1970 foram anos academicistas, o que fez a crítica manter-se autoconfinada ao campus universitário, pois houve redução do espaço jornalístico destinado a ela, culminando assim na dificuldade de circulação dessa produção acadêmica. Mais tarde, nos anos 1980, com o crescimento do mercado editorial, estimulou-se uma nova ampliação do espaço para a literatura na imprensa,

Imprensa e literatura em convergência (2)

  (Segunda parte) A relação que se estabelece entre jornalismo e literatura, permeada por dicotomias como dinheiro versus arte, e realidade versus ficção, precisa ser analisada com outros olhos. Nos meios acadêmicos, há um discurso fundador da literatura internalizado que separa a arte literária da produção textual remunerada, considerando aquela menos artística por isso. Nas palavras de Lajolo & Zilberman (2001, p. 71): “Na tradição dos Estudos Literários, não é de bom tom misturar questões de dinheiro com literatura, apagando-se o caráter econômico das atividades culturais”. O apagamento desse caráter econômico, entretanto, resulta em perdas significativas para uma pesquisa dedicada ao estudo da relação entre esses tipos de escrito, pois se deve levar em consideração que, por muito tempo, o jornalismo foi um refúgio para os escritores que não conseguiam se sustentar com a literatura. Dessa forma, cair no simples maniqueísmo do que é bom ou ruim, de arte pura ou comprada, demo

Imprensa e literatura em convergência (1)

  Imprensa e literatura: caminhos intrincados             Jornalismo e literatura podem ser facilmente relacionados, pois ambos têm, em seu cerne, o trabalho com as palavras. No entanto, limitar a relação entre eles a apenas esse aspecto passa-se a ignorar uma série de elementos essenciais para a compreensão do desenvolvimento da imprensa e da própria evolução da literatura. Se, por um lado, a linguagem une essas duas áreas, por outro, a maneira empregada pode definir se estamos frente a um texto literário ou a um texto jornalístico. De modo mais geral, um texto jornalístico costuma ser associado a “uma espécie de testemunho do ‘real’, fixando-o e ao mesmo tempo buscando compreendê-lo” (BULHÕES, 2007, p. 11). Para isso, tende-se a utilizar uma linguagem considerada mais objetiva, um discurso em que haja pouco envolvimento do repórter, ou seja, busca-se um foco mais impessoal, o que, na maioria dos casos, se reflete na falta de espaço para experimentações de estilos de escrita própr

Metáfora da morte paterna

  (Nona e última parte) Como Diana e Jaques, Clara torna-se uma vítima das metáforas patológicas de Lúcio Cardoso, pois desenvolve um tumor terminal repleto de ramificações. O câncer de Clara funciona como uma metáfora perfeita para a realidade tediosa e desesperadora que consome os personagens do romance, sempre predestinados a vidas perdidas que culminam na morte ou no fracasso. Para Sílvio, a única possibilidade de continuidade mostra-se na extração completa do mal enraizado. Para isso, ele se separa de Diana, deixando-a livre para seguir seus próprios caminhos e para que, assim como ela, ele possa trilhar os seus. É neste momento que o “parricídio” aparece como propiciador para a criação do escritor e, consequentemente, da autoridade do indivíduo, pois só a partir do momento em que Sílvio deixa a cidade de Vila Velha, local onde ocorre o romance, que ele poderá se tornar escritor. Ele enxerga na escrita como uma maneira de se firmar como sujeito, mas só possível quando o personag

Fracasso perturbador na casa (8)

  (Oitava parte)   Essa parte do livro aproxima-nos mais uma vez da relação que o escritor Lúcio Cardoso estabelece com seu pai. Em uma carta que Joaquim Lúcio Cardoso escreve ao filho, ele diz: “A ti e a teus irmãos, confiam Deus a tarefa do meu amparo na última (sic) etapa da vida” (CARDOSO b, s/d, p. 1). O pai de Lúcio Cardoso, assim como Jaques, um homem que fracassa em todas as suas funções sociais. Note-se como o pai se coloca em um papel que não é o lugar daquele que deve amparar os seus, de levar adiante os valores da sociedade, imprimir em seus filhos a lei da cultura, mas, ao contrário, coloca-se em um papel passivo diante dos filhos, a ponto de querer deles o amparo para sua velhice. Essa característica do pai do escritor reflete na construção de personagens de outras obras, pois assim será o personagem de Maleita , que fracassa em sua tentativa de civilizar uma cidade do sertão mineiro; Rogério Palma, que fracassa na criação do filho Inácio, em O enfeitiçado ; e assim s