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Trechos de Lavoura Arcaica





Raduan Nassar no relançamento do livro em 2005
Imagem: revista Usina














            “Na modorra das tardes vadias da fazenda, era num sítio, lá no bosque, que eu escapava aos olhos apreensivos da família. Amainava a febre dos meus pés na terra úmida, cobria meu corpo de folhas e, deitado à sombra, eu dormia na postura quieta de uma planta enferma, vergada ao peso de um botão vermelho. Não eram duendes aqueles troncos todos ao meu redor velando em silêncio e cheios de paciência o meu sono adolescente? Que urnas tão antigas eram essas liberando as vozes protetoras que me chamavam da varanda?”


(...)



            “De que adiantavam aqueles gritos se mensageiros mais velozes, mais ativos, montavam melhor o vento, corrompendo os fios da atmosfera? Meu sono, quando maduro, seria colhido com a volúpia religiosa com que se colhe um pomo. E me lembrei que a gente sempre ouvia nos sermões do pai que os olhos são a candeia do corpo. E, se eles eram bons, é porque o corpo tinha luz. E se os olhos não eram limpos é que eles revelavam um corpo tenebroso.”


(...)


            “O tempo é o maior tesouro de que um homem pode dispor; embora inconsumível, o tempo é o nosso melhor alimento; sem medida que o conheça, o tempo é, contudo, nosso bem de maior grandeza: não tem começo, não tem fim; é um pomo exótico que não pode ser repartido, podendo, entretanto, provar a todo mundo; onipresente, o tempo está em tudo (...) o equilíbrio da vida depende essencialmente deste bem supremo, e quem souber com acerto a quantidade de vagar, ou a de espera, que se deve pôr nas coisas, não corre nunca o risco, ao buscar por elas, de defrontar-se com o que não é; (...) Porque só a justa medida do tempo dá a justa natureza das coisas.”



( Raduan Nassar, in Lavoura Arcaica )










LAVOURA ARCAICA
Raduan Nassar
Gênero: Prosa Poética
200 Páginas
Tamanho: 13.50 x 20.00 cm
Companhia das Letras
São Paulo
2005






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