Livro inédito de gastronomia surreal de Salvador Dali
Houve uma evolução nos mecanismos de controle do prazer.
Já o livre-arbítrio continua limitado, não mais por
questões religiosas,
mas por pressões sociais e culturais
Em matéria de
voluptuosidade o Brasil, a Inglaterra, a França e os Estados Unidos mantém
impressas as marcas profundas do modelo repressivo comum aos países das
Américas latina e central, recentemente abandonado pela Europa.
A história do orgasmo
é, basicamente, a do corpo coberto, a dos desejos proibidos, a da carne
prisioneira de tabus e moralidades de um passado, tantas vezes petrificado em
imagens gastas. Houve uma evolução na alocação de mecanismos de controles das
paixões psíquicas e dos desejos íntimos dos indivíduos, para colocá-los a serviço
do grupo e da coletividade, graças à sublimação. O lema permanece ainda: não
gozo, mas trabalho e consumo. Neste século, grupos desenvolvem estratégias para
impor uma ética sexual baseada na recusa do prazer que se estende a todas as
camadas da sociedade.
A urbanização
crescente permitiu controlar mais de perto as trocas sexuais, antes
disseminadas nas zonas rurais. Certas fobias em relação à masturbação se
multiplicaram. Durante séculos, viveu-se numa dialética fecunda entre vício e
virtude, atualmente perdida porque estamos submetidos à tirania do orgasmo.
Embora, nos dias de
hoje, a Igreja seja menos obedecida, nem por isso as coisas são mais simples. O
livre-arbítrio continua limitado, agora, não mais por questões religiosas, mas
por pressões sociais e culturais. “Radicalmente diferentes do passado – porque
permissivas e já não repressivas -, tais pressões não deixam de orientar cada
passo dos cidadãos, na busca do prazer à
la carte numa época que consomem tudo, inclusive a si próprios”, destaca
Mary del Priore, em favor de uma sexualidade plástica, estética, solúvel, vazia
e plural.
Por outro lado, Michael Foucault, nos três volumes da História da Sexualidade, traz uma análise
do pensamento humano e sua evolução, nos chamando atenção sobre o quanto somos
influenciados pelos saberes da área jurídica, médica, econômica e pedagógica.
Ele argumenta que tais saberes usam o discurso como estratégia.
São ótimos livros para desconstruir alguns padrões de pensamento que
trazemos internalizados sobre o sexo. Foucault nos faz refletir, o quanto ainda
hoje, nos referimos ao sexo de maneira pudica da mesma forma que era nos
séculos XVIII e XIV. Esse livro é uma reconstrução da ideia de que sexo deve
ser mantido, de alguma forma, como algo nojento, sujo e causador de doenças. Talvez,
para alguns, a leitura não seja muito fácil, pois Foucault tem essa
característica que marca todas suas obras: a escrita técnica, com raciocínio
construtivo, onde ele nos dá uma aula de história, nos remetendo ao momento
ruim do obscurantismo medieval, que o sexo deixou de ser desejo e passou a ser
patologia. Por isso, não é apenas uma tese, de que o sexo foi oprimido, retido,
punido, mas também uma arqueologia da ciência e da história relacionando o sexo
e o poder.
Referências
FOUCAULT, Michel. A história da sexualidade,
volumes 1 (A vontade de saber), 2 (O uso dos prazeres, tradução Maria
Albuquerque Thereza da Costa, 390 páginas, 2014) e 3 (O Cuidado de si, tradução
de Maria Thereza Costa, 13ª edição, 320 páginas) Editora Paz e Terra, 2014;
MUCHEMBLED, Robert. O orgasmo e o ocidente –
Uma história do prazer do século XVI aos nossos dias. Tradução: Monica Stahel.
Livraria Martins Fontes e Editora Ltda. 1ª edição, São Paulo, 2007;
PRIORE, Mary Del. Histórias íntimas –
Sexualidade e erotismo na história do Brasil. 2ª edição, Editora Planeta do
Brasil, 2016.
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