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Informação ilhada

 

 

O jornalismo impresso, tanto as publicações diárias e mensais, tem sido vítimas, nos últimos anos, de bombardeios ameaçadores.

Desde as medidas restritivas em razão do Covid-19, as redações passaram por diversos processos de enxugamento de seu efetivo e de “reengenharia” em sua organização.

Nesta década, a proliferação de sites noticiosos, inclusive nas próprias empresas de comunicação tradicionais, no mínimo congelou as equipes “off libe”.

Combinada com o aperto e a consequente sobrecarga, cresceu a oferta de informações via internet, multiplicando-se, ao mesmo tempo, o trabalho de departamentos de comunicação das instituições ou empresas de maneira geral. Assim, criou-se uma padronização das notícias. A autonomia e o poder de influência dos jornalistas é posto em dúvida.

Esses fenômenos constituem um quadro propício a um ineficiente “jornalismo de gabinete”. Ou seja: cada vez menos repórteres saem para a rua afim de apurar fatos. Em substituição ao contato real com os acontecimentos e seus protagonistas, predominam o uso do celular, do Whatsapp e da internet.

A função dos mesmos seria agora, a de “aquecedores de água”, função essa que mais rende à do relações públicas do que de um profissional voltado para a preocupação de pesquisar,  aprofundar, ir ao local e investigar o assunto. Perde-se a capacidade de medir a temperatura ambiente e, portanto, de trazer informações “quentes” e mais completas, com rapidez, para o leitor.

Reduz-se a sensibilidade para avaliar o que ocorre fora dos corredores das prefeituras, do Congresso e das salas palacianas e fora dos saguões empresariais. Tamanho distanciamento, que é também isolamento, tem um preço – jornalístico e político.

Chegamos, raciocine comigo o leitor, à monótona era onde tudo o que é dito está para encobrir o verdadeiro mundo, agitado e explosivo, onde as coisas de fato acontecem. Essa perda de poder dos jornalistas está associada à velocidade da informática. Os jornalistas encontram muito pouco tempo para questionar as notícias. Sobra pouco tempo para o entendimento racional. O problema é realmente sério, entretanto, esqueci de um detalhe que parece supérfluo, pequeno mas pode pôr a perder toda essa maquinaria infernal que avança sobre nós como um pesadelo: o homem.

Talvez, seja mais prudente considerar que manipulando esses teclados, enviando as notícias, fazendo a máquina funcionar há homens de carne e osso, com posições políticas e interesses que, numa sociedade de centralização brutal e progressiva, na qual os controles estão cada vez mais próximos e, sob um menor número de mãos, podem tornar paradoxalmente mais fácil e realizável uma inversão do uso desse mesmo complexo colossal da informática, passando a atender interesses completamente opostos...

Seguindo a lógica, estaríamos, portanto, ao aceitar impunemente a informática e o mundo digital em nossas vidas, alimentando um novo monstro ou reforçando as amarras da nossa própria dominação.

 

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