Compositor escancara com coragem a sua intimidade
A biografia precoce de Lobão, cantor e compositor, mostra-se um trabalho de fôlego: não somente pelo volume de páginas, mas pelas veias abertas de sua vida, escancarando com coragem a sua intimidade. Em cada página, a vida pulsa numa corrente histórica clara que flui sincera e, por este motivo, sente-se a autenticidade, a inconstância de bons e maus momentos, de poucas alegrias, decepções, calúnias, difamações e sensacionalismo barato de alguns meios de comunicação do País. Enfim, coisas da vida, elementos que formam uma vida intensa, agitada e tumultuada, pontilhada de polêmicas e escândalos. Nos anos 80 e 90, tanto ele como Cazuza, não eram bem recomendados por um típico pai de família tradicional. O autor coloca-se na posição de biógrafo e personagem ao mesmo tempo.
Sem medos e rodeios o livro “Lobão 50 Anos a Mil” conta, num estilo cinematográfico e repleto de detalhes, a sua relação difícil com o pai, conforme o episódio desagradável e marcante da quebra do violão. Fato trágico também o relato sobre Elza Soares, na época da gravação da música “Voz da Razão”, do cd “O Rock Errou”, de 1986, com a notícia da morte de seu filho Manuel. No mesmo ano, Lobão era preso por porte de drogas.
Mesmo pouco estudados e comentados, mantém-se sempre uma aura de mistérios e semelhanças em torno dos nomes de Lobão e Mário de Sá-Carneiro, devido mesmo à complexidade das suas personalidades. São um enigma de si mesmos, são múltiplos paradoxos, lógicos e contraditórios, ao mesmo tempo modernos e clássicos, dois criadores de anarquias, são esses seus jogos mentais, que nos levam ao difícil, subvertendo raciocínios, crenças, referenciais, por vezes com um humor frio e perturbador.
Viveram quase que completamente ignorados do grande público, e não podia ser diferente, pela natureza própria de suas obras, distante da fácil inteligibilidade do leitor comum, e contrária, deliberadamente, das criações naturalistas-amorosas que norteavam a lírica de suas épocas. No caso de Lobão, inaugura junto com Cazuza e Renato Russo, como poetas mais representativos da geração de 80 e 90, composições que sacodem o cenário musical brasileiro no século 20, são crônicas do que os jovens sentem e pensam sobre o amanhã sem perspectiva, vivendo num Brasil complicado que esconde de modo hipócrita, medíocre e covarde a sua cara. Uma nova fase da criação de letras, que sobrepõe à imagem romântica e ingênua da sinceridade confessional a ideia da veracidade estética. Não teve, por essas razões, nem mesmo a solidariedade do meio intelectual: impôs-se apenas ao reconhecimento que sua brilhante inteligência exigia até da mais obscura e reacionária oposição. Como Nietzsche, Pessoa, Sá-Carneiro e Piva, Lobão sabe que alguns homens nascem para a posteridade.
50 ANOS A MIL
de Lobão e Claudio Tognolli
Editora Nova Fronteira
752 páginas
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