Pular para o conteúdo principal

Apelação e Histerismo

“a fome não afeta os brasileiros, porque “comemos uns aos outros
e isto nos satisfaz”.

Tatyana Tolstaya, escritora russa







        Os moradores da Zona Norte de Presidente Prudente estão estressados e indignados com a poluição sonora provocada por algumas igrejas pentecostais, em torno de 11 no Parque São Judas Tadeu.        O alto volume das caixas de som entrecortado por gritos, choros e orações de forma desesperada, mescla-se com a batida de vassouras e pedaços de pau nas paredes. Fica difícil traduzir o que seria isto: um espetáculo com doses exageradas de Espiritismo, louvor, evangelização, testemunhos de milagres e autoajuda?

        Esses fiéis seguidores estão infringindo, primeiramente, a lei do silêncio, perturbando o sossego das famílias que residem nas proximidades. Eles impõem que as pessoas ouçam seus gritos estridentes e histéricos, como forma de despertar a curiosidade para que venham a visitar e, automaticamente, tornarem-se frequentadores assíduos de seus cultos. Tal ação estratégica invade também a privacidade. Se algum marketeiro declarou que a fórmula aumenta o número de adeptos está comprovadamente enganado. Por outro lado, traz a apatia, soa inconveniente e irritante. Os cidadãos chegam após uma jornada intensa de trabalho e buscam o descanso, o conforto e o sono tranquilo. A maioria constitui-se de homens e mulheres na faixa etária de 35 até 80 anos.

        Que fique bem claro: não sou contra a opção religiosa desses seguidores das igrejas, pois tenho consciência do livre-arbítrio existente em nosso País. Percebe-se, sim, a falta de educação, bom senso e respeito à individualidade dos moradores. Assim, como cidadão pagante de impostos, cumpridor de deveres, acho no dever de alertar os fiscais da Prefeitura para que visitem estas igrejas e verifiquem se possuem alvará de funcionamento e registro em cartório. Se não estiver enganado, a lei dispõe que os bairros são estritamente residenciais e um artigo discorre sobre o impedimento de maquinário poluente em todos os sentidos.

        Neste “vale tudo” apelativo em que vivemos, desde o começo predominou a geocultura pelas fortes influências das teorias europeias, uma prática que dura mais de 50 anos. Se o mesmo primitivismo está por trás do que acontece no Oriente Médio, devemos ficar atentos ao perigo do fundamentalismo e do fanatismo religioso, um dos violentos freios sociais. Este é um reflexo de que o Brasil tem vocação para a autofagia social.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O PAU

pau-brasil em foto de Felipe Coelho Minha gente, não é de hoje que o dinheiro chama-se Pau, no Brasil. Você pergunta um preço e logo dizem dez paus. Cento e vinte mil paus. Dois milhões de paus! Estaríamos assim, senhor ministro, facilitando a dificuldade de que a nova moeda vai trazer. Nosso dinheiro sempre se traduziu em paus e, então, não custa nada oficializar o Pau. Nos cheques também: cento e oitenta e cinco mil e duzentos paus. Evidente que as mulheres vão logo reclamar desta solução machista (na opinião delas). Calma, meninas, falta o centavo. Poderíamos chamar o centavo de Seio. Você poderia fazer uma compra e fazer o cheque: duzentos e quarenta paus e sessenta e nove seios. Esta imagem povoa a imaginação erótica-maliciosa, não acha? Sessenta e nove seios bem redondinhos, você, meu chapa, não vê a hora de encher a mão! Isto tudo facilitaria muito a vida dos futuros ministros da economia quando daqui a alguns anos, inevitavelmente, terão que cortar dois zeros (podemos d

Trechos de Lavoura Arcaica

Raduan Nassar no relançamento do livro em 2005 Imagem: revista Usina             “Na modorra das tardes vadias da fazenda, era num sítio, lá no bosque, que eu escapava aos olhos apreensivos da família. Amainava a febre dos meus pés na terra úmida, cobria meu corpo de folhas e, deitado à sombra, eu dormia na postura quieta de uma planta enferma, vergada ao peso de um botão vermelho. Não eram duendes aqueles troncos todos ao meu redor velando em silêncio e cheios de paciência o meu sono adolescente? Que urnas tão antigas eram essas liberando as vozes protetoras que me chamavam da varanda?” (...)             “De que adiantavam aqueles gritos se mensageiros mais velozes, mais ativos, montavam melhor o vento, corrompendo os fios da atmosfera? Meu sono, quando maduro, seria colhido com a volúpia religiosa com que se colhe um pomo. E me lembrei que a gente sempre ouvia nos sermões do pai que os olhos são a candeia do corpo. E, se eles er

O Visionário Murilo Mendes

Retrato de Murilo Mendes (1951) de Flávio de Carvalho Hoje completaram-se 38 anos de seu falecimento Murilo Mendes, uma das mais interessantes e controvertidas figuras do mundo literário brasileiro, um poeta difícil e, por isso mesmo, pouco divulgado. Tinha uma personalidade desconcertante, sua vida também constitui uma obra de arte, cheia de passagens curiosas de acontecimentos inusitados, que amava Wolfgang Amadeus Mozart e ouvia suas músicas de joelhos, na mais completa ascese mística, não permitindo que os mais íntimos se acercassem dele nessas ocasiões. Certa vez, telegrafou para Adolph Hitler protestando em nome de Mozart contra o bombardeio em Salzburgo. Sua fixação contemplativa por janelas foi assunto do cronista Rubem Braga. Em 1910, presenciou a passagem do cometa Halley. Sete anos depois, fugiu do internato para assistir ao brilho de outro cometa: Nijinski, o bailarino. Em ambos os casos sentiu-se tocado pela poesia. “Na