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Terrorismo da Shindo Renmei


 
Capa do livro Corações Sujos de Fernando Morais
 
 
 
 
         Logo após a Segunda Guerra Mundial, 80% dos 200 mil japoneses residentes no Estado de São Paulo acreditavam que o Japão havia vencido o conflito. Por mais delirante, a crença tinha fundamento numa certeza nipônica que atestava a invencibilidade do Exército Imperial em 2.600 anos de história. Para eles, as notícias da rendição não passavam de falsa propaganda disseminada com a ajuda de japoneses chamados de derrotistas e considerados traidores da pátria. Como ato de punição, lideranças fanáticas da colônia fundaram a seita ultranacionalista Shindo Renmei – algo como Liga do Caminho dos Súditos –, responsável durante 13 meses pela morte de 23 patrícios cujo pecado era acreditar na incontestável supremacia dos aliados. A saga da Shindo Renmei e de seus tokkotai, guerreiros encarregados da matança, é contada no livro Corações Sujos, do escritor e jornalista mineiro Fernando Morais (Companhia das Letras, 344 págs.).
         Após os crimes da Shindo, parte da população brasileira reagiu de forma passional e acabou linchando muitos japoneses inocentes. Cidades como Tupã, no interior paulista, por exemplo, foram transformadas em praças de guerra. Isso foi um marco na história do Brasil: japoneses perseguindo seus próprios compatriotas muito longe de casa... Estas atitudes fascistas e de intolerância, relatadas no livro, caracterizam um fanatismo irritante que foge de nossa compreensão latina, cristã e ocidental.
         Conhecer a história da Shindo Renmei sem buscar um mínimo de compreensão do contexto histórico e da cultura japonesa significa muito pouco. Fernando Morais faz um levantamento de bastante fôlego dos casos de assassinato - que às vezes chega à gratuidade - e da repercussão na imprensa das ações da Shindo. Ao leitor interessado em aprofundar-se no entendimento dos motivos do surgimento da Shindo Renmei, a própria bibliografia descrita no final do livro de Morais é uma indicação interessante. Toda a descrição, mesmo jornalística, traz em seu bojo uma interpretação, mesmo que involuntária. A tentativa de descrever um fato sem interpretá-lo significa apenas deixar essa tarefa para o senso-comum, do autor ou do leitor.
 
O filme
 
 
 
            Um filme sobre intolerância, ódio, fundamentalismo, racismo e amor, baseado no best-seller de Fernando Morais e passado no interior de São Paulo depois da Segunda Guerra Mundial. A história gira em torno do imigrante japonês Takahashi, dono de uma pequena loja de fotografia, casado com Miyuki, uma professora primária. Inspirado em fatos reais, Corações Sujos nos mostra a transformação de Takahashi de homem comum em assassino, enquanto sua mulher luta contra o destino, tentando em vão salvar seu amor em meio ao caos e à violência.
         No Brasil, após a guerra, a imensa população de imigrantes japoneses (a maior fora do Japão) era segregada e reprimida pelo Estado no governo de Getúlio Vargas. Para estes imigrantes, oprimidos numa terra estranha, a ideia de derrota na guerra era muito dolorosa. Muitas organizações, alimentadas pela ignorância imposta a eles pelo governo brasileiro, nasceram dedicadas a divulgar a “verdade” da vitória do Japão na guerra e a reprimir e assassinar os “derrotistas” – os “corações sujos”. Takahashi reluta, mas acaba se tornando membro de um do grupo liderado pelo coronel Watanabe. A escolha feita por ele, em nome do Espírito Japonês, o transforma também num matador. E Miyuki, sua mulher, conta como sua história de amor se perdeu em meio à guerra fratricida - de japoneses contra japoneses - que aconteceu em pleno interior do Brasil.
 
 
Informações Técnicas
 
Título no Brasil: Corações Sujos
Título Original: Corações Sujos
País de Origem: Brasil
Gênero: Drama
Classificação etária: 14 anos
Tempo de Duração: 90 minutos
Ano de Lançamento:  2011
Estréia no Brasil: 17/08/2012
Em Presidente Prudente: 23/08/2012
Estúdio/Distrib.:  Downtown Filmes
Direção: Vicente Amorim



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