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Escancarando a Porteira


 
 
 
 
 
Publicação prudentina prioriza crítica, reflexão e humor
 
 
 
                O Pio-Pardo segue a conhecida e criativa imprensa alternativa, que de modo independente, canalizou a fatia mais instigadora, provocante e criativa do jornalismo crítico e combativo produzida nos anos 60 e 70. Seguindo o perfil do gênero Pasquim, o jornal, de Presidente Prudente, São Paulo, chegou ao número 5, em dezembro último. Ainda que sofrendo atentados da ordem (política e intelectual) para que se forçasse o silêncio, sendo relegada ao benfazejo caminho do jornalismo gonzo e o underground literário, é inegável a importância que teve a década de sessenta, do começo até o fim, na formação da imprensa e da cultura alternativas, presentes sejam, tanto nas universidades, como nas ruas. Ora, justiça seja feita a Luís Carlos Maciel, Tarso de Castro, Fausto Wolf, Roberto Freire (autor de Cléo & Daniel), Fernando Gabeira, Ignácio de Loyola Brandão na fase experimental do livro Zero, um romance pré-histórico, Luiz Fernando Emediato, Caio Fernando Abreu, entre tantos outros que contribuíram, em grande parte, com os alicerces dessa nova maneira de encarar o jornalismo investigativo e cultural, a literatura e a arte poética. E quantos outros invisíveis não estão por aí, e que contribuíram para a diversidade que existe na produção atual, também “invisível”?
         Seu projeto editorial envolve as questões mais inquietantes, entre as quais, a denúncia do caos urbano ocorrido no sistema de trânsito da cidade e, necessitando de projeto de urbanista competente, o uso de uma linguagem neutra, sem corporativismo, como subversão de visões de mundo. De certo modo, posso compará-lo ao e-zine Chicos, de Cataguases, Minas Gerais. É uma publicação incomum, um ovni de papel para leitores de beira-de-piscina que, certamente, vão achá-lo “chato” (este adjetivo, aliás, é o máximo de “crítica”, alcançada por essas cabecinhas condicionadas pelos instantâneos da TV).
         Pio-Pardo é uma pequena obra-prima do que chamamos “jornal de comentários”. É insubmisso à tirania do novidadeirismo do cadernos de cultura e entretenimento, de “estilo pop” com o seu rompimento de padrões da estética ao estourar a tipologia, além do exagero nos efeitos gráficos, nos clichês e no consumo de modismos, frívolos, excêntricos e passageiros. Aquilo que o marketing e o design capricham na embalagem para melhor empacotar o consumista alienado e lhe definir o que pensar, ouvir, ler, assistir e vestir. Não há “novidades” nas páginas de Pio-Pardo.
         Seu projeto equilibrado e simples oferece uma leitura que flui descontraída, existe leveza, pois os espaços brancos harmoniosos se apresentam como elementos estruturais dentro da publicação. Há uma continuidade na ordenação gráfica e visual das páginas. Pio-Pardo mostra uma ideia séria, uma intervenção questionadora, com crítica corrosiva, construtiva e cultural que engole qualquer debatezinho bobo entre politiqueiros medíocres, sem vontade política, burocratas, ou pseudointelectuais.
         Evoé, Zelmo Denari, você está sendo movido pelo espírito pagão e satírico de Petrônio, seu patrício, pelo seu esforço e determinação em reunir um grupo seleto de pessoas pensantes e formadores de opinião, produzindo até o momento cinco edições do Pio-Pardo, através dos quais conseguiu atravessar o nevoeiro e escancarou as porteiras da tradição da fazenda modelo.
 


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