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Desafios do plano cultural



Como organizar, preservar a memória e monitorar ou uso do bem cultural, mesmo por ter autor, ela tem propriedade, pois pertence ao seu criador? A supervisão equilibrada de livros, artes visuais e cênicas, música, peças artesanais, escultura, entre outros bens, representa um dilema para os agentes culturais, gestores, profissionais de marketing e teóricos, e muitas vezes é a própria comunidade que acaba organizando e disciplinando, com sucesso, o compartilhamento do recurso.
Mas estudar e criar formas de ação cultural abrangendo todas as áreas é um desafio quase tão grande quanto gerir o uso de um bem comum. As dificuldades vão desde a escassez de dados até os incentivos fiscais, de leis e editais que tornam o estudo interdisciplinar menos atraente aos produtores culturais do que a profissionalização. Este importante trabalho exige dedicação, determinação e comprometimento dos criadores do plano, apresentando um olhar profundo sobre como os seus idealizadores construirão, ao longo de dez anos, um dos mais coerentes programas de pesquisa, de estímulo, de difusão e de resgate da memória examinando a diversidade institucional e os dilemas sociais e econômicos enfrentados por cada artista, tentando organizar-se para manejar os recursos de uso comum ou “bens comuns”.
Deve usar sistematicamente teorias sociais e culturais (inquéritos estatísticos, etnografia, teoria dos jogos, modelos baseados em agentes, experimentos de campos e de laboratório) para descobrir porque algumas comunidades se auto-organizam e protegem seus bens comuns enquanto outras são incapazes de fazê-lo. Ao adotar o uso de métodos múltiplos para elucidar as interações complexas e os profissionais podem conduzir de maneira bem-sucedida o estudo dos complexos sistemas socioculturais e gerar teorias sólidas por meio de colaboração, comunicação, reciprocidade e desenvolvimento de confiança. Sem esses elementos, as teorias tendem a ser simplistas, míopes ou, simplesmente, equivocadas.
O uso de métodos múltiplos no plano colaborativo possibilita desafios constantes entre os idealizadores e os pesquisadores em relação às teorias convencionais que trazem para o estudo. Além disso, são da comunicação, colaboração, reciprocidade e confiança que surgem recomendações políticas mais satisfatórias que melhor se enquadram no comportamento real das comunidades humanas. É cada vez mais reconhecida que a dependência em um ou dois métodos impede o desenvolvimento teórico e a acumulação de conhecimento dentro de um programa de pesquisa e plano de marketing. A adoção de múltiplos métodos tem se proliferado, e a utilização de métodos mistos em pesquisa voltados na prática, se considera a alternativa mais viável hoje.
O equilíbrio entre os interesses individuais e os da coletividade em relação ao uso de um bem comum há muito desafia pesquisadores e gestores de áreas onde se localizam esses valiosos recursos – hoje, a cultura, a água e as florestas talvez sejam os mais eloquentes exemplos.
Estudos recentes vêm confrontando a teoria convencional sobre os três temas, refletida na expressão “tragédia dos bens comuns” e segundo a qual os usuários locais estariam inexoravelmente expostos à falta de exploração dos recursos que levam a perda de identidade e a sua desestruturação. As investigações realizadas demonstram a viabilidade do bem comum com base na regulação e no monitoramento feitos pela própria comunidade. Tais recursos resultam da complementaridade de métodos de pesquisas diversos, e esse ponto constitui uma interessante convergência entre os desafios da utilização equilibrada de um recurso natural, incluindo a cultura como uma expressão impalpável, e aqueles apresentados pela colaboração acadêmica: no cerne de ambos está o dilema entre o ganho individual e os benefícios da cooperação.
Todo plano de ações descentralizadoras da cultura necessita ter a parceria dos agentes, dos produtores culturais e da coletividade. Assim, o planejamento deve ser colaborativo, interdisciplinar ou multimétodos – até porque abordagens uniformes não atendem à análise de fenômenos distintos, cada qual com suas peculiaridades e demandas. Com o imprescindível acompanhamento e a avaliação, de cada etapa do projeto, por comissão de profissionais selecionados pela agência de marketing e consultoria, no propósito de aprimorar os produtores culturais locais tornando-os influenciadores da economia e nos processos sociais e educacionais de uma cidade e a vida de seus habitantes.

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