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Identidade, saberes e força ancestrais

 



As bonecas abayomi têm o seu valor como objeto de resistência do que sobre resiliência, por mostrar um ciclo da vida. Abayomi, uma das interpretações possíveis é “meu presente”, em yorubá, versão atual da boneca abayomi criada pela artesã Lena Martins na década de 1980, dentro de um contexto histórico marcado por diversos movimentos sociais. Além de gerar possibilidades por meio da criação de autoestima. Elas se tornaram um instrumento capaz de fomentar elementos de matriz africana na educação formal. Desse jeito, há o fortalecendo a autoestima do povo preto por meio da afetividade e reconstruindo histórias de pessoas marginalizadas das periferias da cidade, incluindo entre outros perfis do livro “As bonecas Abayomi no Brasil”, de Fabiana Alves, o de Lázara Bernardino de Jesus, a primeira yalorixá, noticiada nos meios de comunicação, portanto, ela faz parte da história de Presidente Prudente.

Feita de retalhos, sem uso de cola ou linha, e dando um novo destino para o que primordialmente seria tratado como materiais reaproveitáveis, contribuindo à sustentabilidade e à ecologia. As bonecas abayomi surgem da sequência de acontecimentos em que a busca por identidade é constante. Em um país tão desigual, violento e cruel como o Brasil, onde ainda há pouca reparação histórica para a população afrodescendente e indígena, essa ideia surge para aplacar um pouco a culpa, a responsabilidade, do que foi feito com essas populações.

O livro “As bonecas abayomi no Brasil”, de Fabiana Alves, prova o seu princípio pedagógico: desenvolver o ser coletivo e o respeito a diversidade. Como contrapartida, de forma contínua, seria muito oportuno desenvolver a oficina terapêutica  da boneca abayomium processo terapêutico que convida o indivíduo  a desenvolver o autoconhecimento possibilitando a compreensão de sua historia, podendo construir, reconstruir ou resignificar. Esse processo trabalha o “despertar/renascer” do indivíduo, contribuindo com o fortalecimento frente aos acontecimentos adversos, resgatando habilidades, potencialidades e motivação em direção às suas metas.  Pelo aspecto bastante funcional, ao manusear o brinquedo as crianças sentem as diferentes cores e texturas das vestimentas, o que as religa às origens do tecido, seja tanto animal, mineral ou vegetal, ajuda a criança no seu desenvolvimento físico, social e psicológico.

Fica a sugestão para projeto ou evento futuro nas escolas públicas e particulares, por exemplo, uma oficina de confecção de bonecas abayomi. Outras possibilidades de aprofundamento são visitas a locais ou a participação de membros da comunidade negra, no que se refere a difusão de lendas da África ou a visita agendada ao Museu e Arquivo Histórico Antônio Sandoval Netto, de Presidente Prudente, para que crianças e adolescentes conheçam as indumentárias ritualísticas, a estética de entidades e orixás da cultura afro-brasileira e africana, fotografias doadas pelo acervo pessoal da família de Lázara Bernardino de Jesus (a popular “Dona Lazinha”), uma mulher que extrapolou o seu tempo, que questionou um padrão estético, cultural e religioso em uma localidade que ainda estava em desenvolvimento e era regida por grandes coronéis.

Não há melhor exemplo do brinquedo que demonstra o adulto olhando a criança como uma cópia de si mesmo. Os brinquedos correntes são essencialmente um microcosmo adulto. Todos são reproduções reduzidas de objetos humanos, como se aos olhos do público a criança não fosse, em suma, se não um ser menor, a quem é preciso fornecer objetos de suas dimensões.

O brinquedo abre o catálogo de tudo aquilo que o adulto não se espanta: existem, por exemplo, as bonecas abayomi, elas ­têm uma espécie de bolsa de canguru e, sem a menor dúvida, o ser em seu ventre pode nascer e voltar a qualquer hora à bolsa. Assim, se pode preparar a menina para a causalidade doméstica, “condicioná-la” a seu futuro papel de mãe. A cultura africana possui uma rica história de tecidos e cores vibrantes, que têm sido uma fonte de inspiração para os designers em todo o mundo. Algumas das cores mais comuns usadas nas vestimentas incluem o azul, o amarelo, o vermelho e o verde. Essas cores têm significados simbólicos dentro da cultura africana, e são usadas para representar diferentes aspectos da vida. Vale lembrar que esses significados podem variar entre as diferentes culturas e regiões da África.

Os tecidos tradicionais africanos, como o kente, o adire e o batik, também têm sido uma fonte de inspiração para a moda moderna. Os designers  incluem esses tecidos em suas coleções, trazendo um toque de autenticidade para suas criações. Esses tecidos são conhecidos por sua textura única e estampas complexas. Os tecidos de fibras naturais, considerados básicos e clássicos, podem ter três origens, a animal (lã e seda); a mineral (amianto) e a vegetal (algodão, juta, cânhamo, linho e sisal), uma das matérias-primas mais utilizadas pelos artesãos que desenvolvem mobílias, peças e, no caso específico, a confecção das bonecas abayomi possui um custo barato, de fácil confecção, reaproveitável, flexível e prático, torna-se elemento essencial no artesanato para crianças. Utiliza-se de técnicas simples de costuras, recortes, colagens e pinturas.

Além de serem usados na moda, os elementos tradicionais africanos também têm uma forte presença na cultura popular. Sendo uma forte referência para novas ideias, a exemplo de Lena Martins, artesã do Rio de Janeiro, criadora das bonecas Abayomi, que trouxe novas perspectivas para a cultura brasileira e celebra a rica história e cultura da África. A incorporação desses elementos nas artes visuais, em roupas, acessórios, tecidos e na música cria uma mistura única de tradição e inovação que é verdadeiramente emocionante.

Só que diante desse universo mágico e saudável, há o contraste de objetos fiéis e complicados, como os games de smartphones e notebooks, onde a criança não pode se tornar se não proprietária, usuária, jamais criadora, ela não inventa o mundo, ela o utiliza; são-lhe preparados gestos sem aventura, sem surpresa e sem alegria. Faz-se dela uma pequena proprietária comodista, que não precisa nem mesmo inventar os recursos da causalidade adulta. Eles lhe são fornecidos completamente prontos; só precisa servir-se deles, jamais lhe é dado nada a percorrer. O aburguesamento do brinquedo não se reconhece somente pelas formas, todas funcionais, mas também, pela substância. Os brinquedos correntes são de uma matéria ingrata, produtos de uma química, não de uma natureza, muitos agora são moldados em pastas complicadas, a matéria plástica tem uma aparência ao mesmo tempo grosseira e higiênica, ela extingue o prazer, a doçura, a humanidade do toque.

Um sinal consternador: o desaparecimento progressivo da madeira e do tecido, apesar de matérias ideais pela firmeza e a temperatura, pelo calor natural de seu contato. De toda forma que sustém, tanto a madeira como o tecido tiram as ofensas dos ângulos vivos demais, o frio químico do metal. Quando a criança as manipulam e as batem, não vibram nem rangem, tem sons surdos e nítidos ao mesmo tempo; são duas substâncias familiares e poéticas, que deixam a criança numa continuidade de contato com a árvore, a mesa, o chão. A madeira como o tecido não machucam nem se desmancham, não se quebram: gastam-se. Podem durar muito, viverem com a criança, modificarem pouco a pouco as relações do objeto e da mão. Se morrem, é diminuindo, não se inchando, como os brinquedos mecânicos que desaparecem sob a hérnia de uma mola quebrada. A madeira e o tecido fazem objetos essenciais e de sempre. Ora, não há quase mais desses brinquedos de madeira, desses cavalinhos de pau, dessas bonecas de pano possíveis, é verdade, num tempo de artesanato. O jogo é químico, em substância e em cor; seu próprio material introduz a uma cenestesia do uso, não do prazer. Esses brinquedos virtuais, artificiais, morrem, aliás, muito rápido, e uma vez mortos não têm, para a criança, uma vida póstuma.

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