(Terceira Parte)
De
início, esses textos que você vai ler não tiravam qualquer onda de se
perpetuarem nos almanaques das obras imortais, como é a vontade dos que
escrevem um romance. Podiam ser esquecidos no dia seguinte e ninguém ficaria
aborrecido com isso. Mas o que fazer se pela qualidade, pelo frescor, pelo tom
amigo de conversarem com as gerações seguintes, essas crônicas transcenderam a
edição do jornal, continuam atuais e fazendo bonito diante da escrita que evolui?
A
base de estilo plantada por Alencar e Machado passou pelo frenético andarilho
de João do Rio-e-seus-blue-caps-na-belle-époque. Em seguida ganhou formato que
ainda se lê hoje com a aparição dos escritores roqueiros de 22. Os modernistas
radicalizaram em suas propostas, em romances e poesias, o que já havia nas
crônicas desde o início: a vontade de deixar a língua “a fresca”, coloquial,
sem medo até, por que não?, de fazer piada. Valorizavam as pequenas cenas e,
mesmo em assuntos sérios, sempre passavam ao largo de qualquer pronunciamento
tingido pela seriedade. Oswald e Mário de Andrade, mais Alcântara Machado,
Manuel Bandeira, todos foram cronistas de jornal. Deixaram o gênero na medida e
nada mais, enxuto de beletrismo, orgulhoso de suas bermudas, para que a partir
dos anos 1930 entrasse em cena o texto fundamental de Rubem Braga. Ele seria o
único grande escritor brasileiro a traçar toda sua obra nos limites da crônica
– embora suas crônicas alargassem todos os limites do texto e muitos vissem
nelas até um jeito enviesado de fazer poesia.
“Braga é o estilista cuja melhor
performance ocorre sempre por escassez de assunto”,
escreveu Manuel Bandeira. “Aí começa ele
com o puxa-puxa, em que espreme na crônica as gotas de certa inefável poesia
que é só dele. Será este o segredo de Braga: por suas crônicas o melhor da
poesia que Deus lhe deu? Braga, poeta sem oficina montada e que faz poema uma
vez na vida e outra na morte, descarrega os seus bálsamos e os seus venenos na
crônica diária”.
O
capixaba Rubem Braga, com o marco de sua “Aula
de inglês”, de 1944, deu o acabamento definitivo do que seria a boa crônica
brasileira – inspirado numa cena de total banalidade, o artista a transforma
num monumento à inteligência e ao bom gosto. Tem humor, tem mergulho sutil na
alma dos personagens, tem relato subjetivo, tem uma tremenda bossa.
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