(Quarta e Última Parte)
Uma
propaganda dos anos 1950 vendia uma toalha de plástico dizendo: “parece linho,
mas é linholene”. Escrever crônicas, principalmente as melhores, parece dos
exercícios mais simples. O verbo não posa empáfia, a semântica joga com as
palavras curtas, de uso comum, e os personagens não vieram do fabulário grego
nem das estátuas romanas, mas de alguma esquina do bairro. Parece simples,
parece Linholene, mas é linho puro. O crítico Antônio Candido, que classificava
a “persistência da crônica” como “um fenômeno interessante da literatura
brasileira”, viu que havia caroço sofisticado por baixo do angu de Braga e
da maravilhosa geração dos anos 1950:
“Tanto em Drummond quanto nele (Braga)
observamos um traço que não é raro na configuração da moderna crônica
brasileira: no estilo, a confluência de uma tradição, digamos clássica, com a
prosa modernista. Essa fórmula foi bem manipulada em Minas (onde Rubem Braga
viveu alguns anos decisivos da vida); e dela se beneficiaram os que surgiram
nos anos 40 e 50, como Fernando Sabino e Paulo Mendes Campos. É como se
(imaginemos) a linguagem seca e límpida de Manuel Bandeira, coloquial e
corretíssima, se misturasse ao ritmo falado de Mário de Andrade, com uma pitada
de arcaísmo programado dos mineiros.”
Há
quem diga caber neste balaio tudo aquilo que, no jornal, se coloca entre fios
gráficos e em cima escreve-se “crônica”. É a fusão dos gêneros. Misturar as
artes do espírito sensível com os fatos da atualidade, mesmo que seja aquela
realidade passando embaixo apenas da sua janela. Bate-se no liquidificador das
referências pessoais, e serve-se ao leitor tentando ampliar o sentido daquela
banalidade. A objetividade de Sabino, o lirismo de Braga, a perspectiva
dilacerada de Caio Fernando Abreu. Todos cronistas, todos cultores da
excelência de estilo, aquilo que dá transcendência e inclui seus textos entre
os melhores da literatura nacional.
De
agora em diante exporei alguns exemplos, da pontinha, dessa saga de quase 170
anos – mas você fique à vontade, vista a bermuda, e faça sua lista com outras
provocações. É como escalar a seleção brasileira. Cada um tem a sua, com os
melhores craques e estilos de jogo. No início de 1954, Marques Rebelo
enfileirou, pequenos drops, meio poéticos, meio pílulas de sabedoria no seu
espaço na Última Hora e deixa claro que é possível fazer em cinco linhas – como
Carlos Drummond de Andrade fez em quatro capítulos no caso da bolsa perdida, no
ônibus – a velha, boa e reconhecível crônica.
Acima
de tudo, pairou sobre a escolha destes autores a avaliação de qualidade e a
capacidade de terem sobrevivido aos tempos, sem rodapés exaustivos, e estarem
ainda em permanente estado de letrinhas que flutuam como se nuvens fossem. Era
uma turma que pegava leve, Antônio Maria, 110 quilos, na luta de boxe das
palavras era peso pluma. O resto é ao gosto deste freguês que assina, e teve a
trabalheira de durante um ano não ter lido outra coisa senão crônicas, graças a
Deus, muitas crônicas. Foi um grande prazer que agora, se espera, é do leitor.
Aqui e ali, em meio aos mestres do gênero, como Elsie Lessa e Carlinhos
Oliveira, uma aparição especial de inesperado Graciliano Ramos. Todo cronista
por alguns dias apenas, mas, como em tudo mais que fez, exímio também na arte
de espargir sobre a nossa sensibilidade o perfume suave contido no pequeno
frasco da crônica.
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