Pular para o conteúdo principal

Raízes da cultura material





Hélio Serejo





Quando escrevemos sobre o processo de formação cultural e a identidade de Presidente Prudente e região Oeste do Estado, devemos sempre retornar aos livros sobre a cultura e o folclore do Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul de Hélio Serejo, escritor, pesquisador e folclorista. Os capítulos dos livros podem ser lidos independentemente uns dos outros. Nas obras sobre termos populares, especificamente, Serejo usa a forma tradicional de consulta aos dicionários, classificando as palavras por ordem alfabética.
Um dos traços mais surpreendentes e originais dos trabalhos de Hélio Serejo como historiador social é seu interesse por aquilo que, à maneira dos arqueólogos e antropólogos, chamamos de “cultura material”: a história da alimentação, da vestimenta, da moradia e da mobília. É bem conhecido o interesse de Serejo pela culinária do Mato Grosso do Sul e deve-se aprofundar na história e na sociologia da alimentação.
Os objetos domésticos brasileiros também foram estudados pelo escritor como fontes para a história social de sua época. Por exemplo, que deveríamos refletir sobre a história cultural da rede e da cadeira de balanço patriarcais, tratando-as como símbolos ou, mais exatamente, como materializações do ócio voluptuoso que os brasileiros, de modo geral, herdaram dos senhores de engenho pernambucanos. Noutras palavras, o notório interesse de Serejo pelos processos de hibridização ou mestiçagem estendiam-se ao campo da cultura material. Tanto que nas historietas sobre os mitos e lendas torna-se típico, em seus enredos, a inclusão de comidas, bebidas e artefatos de madeira, cerâmica entre outras coisas que pertencem àquele universo particular, íntimo e único.
De forma indireta, os livros de Serejo que contam os termos populares da região centro-oeste são a descrição de como os negros, índios, caboclos e os paraguaios amoleceram a língua portuguesa. Suas fontes eram extraídas da vida cotidiana, os hábitos e costumes, um método utilizado nos anos 10 e 20 entre antropólogos nos Estados Unidos. De minha parte, dentro deste raciocínio, compartilho com o sociólogo Gilberto Freyre ao ver uma herança positiva da escravidão, seja do negro ou do índio, visão consolidada na tese de que os mesmos acabaram colonizando os brancos.
E deve a nova geração de sociólogos, antropólogos e folcloristas louvar entre outros aspectos da obra de Hélio Serejo, como o da sociologia do cotidiano, o de saber registrar os costumes e ter uma visão antropológica e histórica decorrente de sua experiência de vida aliada ao conhecimento empírico. Esses méritos extraordinários, a meu ver, favoreceram a sua linguagem fluente, clara e objetiva de repórter, que escrevia muito bem.
Serejo teve a capacidade de entender algumas peculiaridades brasileiras, mesmo refletindo uma face regionalista, à primeira vista, que o puseram, realmente em  destaque em muitos terrenos da sociologia, da antropologia e do folclore. E, também, foi capaz de compor um painel importante das regiões oeste e centro-oeste sobre a genealogia da cultura do mate, provinda do Paraguai, até hoje enraizada, principalmente, nos Estados do Paraná, Rio Grande do Sul, nas conhecidas e populares “rodas de tereré”, que reúnem familiares e amigos em longas conversas descontraídas e alegres, por horas a fio, propiciando um maior entrosamento humano e saudável entre os participantes. Uma cultura antiga e saudável que deve ser mais divulgada em todo interior paulista e, porque não dizer, em todo o Brasil.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O PAU

pau-brasil em foto de Felipe Coelho Minha gente, não é de hoje que o dinheiro chama-se Pau, no Brasil. Você pergunta um preço e logo dizem dez paus. Cento e vinte mil paus. Dois milhões de paus! Estaríamos assim, senhor ministro, facilitando a dificuldade de que a nova moeda vai trazer. Nosso dinheiro sempre se traduziu em paus e, então, não custa nada oficializar o Pau. Nos cheques também: cento e oitenta e cinco mil e duzentos paus. Evidente que as mulheres vão logo reclamar desta solução machista (na opinião delas). Calma, meninas, falta o centavo. Poderíamos chamar o centavo de Seio. Você poderia fazer uma compra e fazer o cheque: duzentos e quarenta paus e sessenta e nove seios. Esta imagem povoa a imaginação erótica-maliciosa, não acha? Sessenta e nove seios bem redondinhos, você, meu chapa, não vê a hora de encher a mão! Isto tudo facilitaria muito a vida dos futuros ministros da economia quando daqui a alguns anos, inevitavelmente, terão que cortar dois zeros (podemos d

Trechos de Lavoura Arcaica

Raduan Nassar no relançamento do livro em 2005 Imagem: revista Usina             “Na modorra das tardes vadias da fazenda, era num sítio, lá no bosque, que eu escapava aos olhos apreensivos da família. Amainava a febre dos meus pés na terra úmida, cobria meu corpo de folhas e, deitado à sombra, eu dormia na postura quieta de uma planta enferma, vergada ao peso de um botão vermelho. Não eram duendes aqueles troncos todos ao meu redor velando em silêncio e cheios de paciência o meu sono adolescente? Que urnas tão antigas eram essas liberando as vozes protetoras que me chamavam da varanda?” (...)             “De que adiantavam aqueles gritos se mensageiros mais velozes, mais ativos, montavam melhor o vento, corrompendo os fios da atmosfera? Meu sono, quando maduro, seria colhido com a volúpia religiosa com que se colhe um pomo. E me lembrei que a gente sempre ouvia nos sermões do pai que os olhos são a candeia do corpo. E, se eles er

O Visionário Murilo Mendes

Retrato de Murilo Mendes (1951) de Flávio de Carvalho Hoje completaram-se 38 anos de seu falecimento Murilo Mendes, uma das mais interessantes e controvertidas figuras do mundo literário brasileiro, um poeta difícil e, por isso mesmo, pouco divulgado. Tinha uma personalidade desconcertante, sua vida também constitui uma obra de arte, cheia de passagens curiosas de acontecimentos inusitados, que amava Wolfgang Amadeus Mozart e ouvia suas músicas de joelhos, na mais completa ascese mística, não permitindo que os mais íntimos se acercassem dele nessas ocasiões. Certa vez, telegrafou para Adolph Hitler protestando em nome de Mozart contra o bombardeio em Salzburgo. Sua fixação contemplativa por janelas foi assunto do cronista Rubem Braga. Em 1910, presenciou a passagem do cometa Halley. Sete anos depois, fugiu do internato para assistir ao brilho de outro cometa: Nijinski, o bailarino. Em ambos os casos sentiu-se tocado pela poesia. “Na