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Os Novos Xamãs da Sociedade










De onde surgiram as teorias imaginadas sobre os poetas
e quantas são verdadeiras?








            De algum modo os poetas sempre foram vítimas de um certo preconceito. Platão, por exemplo, expulsa os poetas de sua República; e mesmo antes dele, o poeta já era uma figura bastante criticada. Mas, a fonte dessa imagem, por certo, é o Romantismo, com aquela imagem do poeta como um ser atormentado, sofredor, pronto para morrer por suas paixões. O poeta teria uma vida interior tão intensa que mal se aperceberia do mundo à sua volta. E aí, surge essa ideia como aquele que vive além da realidade, em outro mundo, etc. Na vida real, porém, é bem diferente.
     Ainda hoje, as pessoas romantizam os poetas, no sentido mais pobre da ideia romântica. Pensa-se que o ele é um tipo de alienado, quando está, na verdade, mais atento à vida que as demais pessoas. Ezra Pound diz que “os artistas são as antenas da raça”, ou seja, da espécie humana. Sendo artistas, os poetas têm tal sensibilidade de perceber as coisas antes – no mesmo raciocínio, o antropólogo Joseph Campbell declara: “Os poetas são os novos xamãs da sociedade contemporânea” - tanto que é chamado também de vate, ou seja: o que vaticina, o profeta. Um desregramento dos sentidos como Arthur Rimbaud refere-se não propriamente à loucura, mas a um estado de transe, como a prática do Santo Daime registrada por Alex Polari e Caio Fernando Abreu. Um estado de transe xamânico, porque os poetas são xamãs avant la lettres, que propõe mesmo a “alucinação das palavras”. 
    Essa imagem distorcida, esse estereótipo de isolamento, da “torre de marfim”, que rondam o imaginário popular quando se procura definir a vida de poeta. Foi mais uma atitude romântica que influenciou até os não românticos, oriunda do poder econômico do conquistador e, consequentemente, com a ramificação do capitalismo selvagem influenciando a educação e o ensino nas escolas. O interessante é que, tanto os movimentos românticos brasileiro, inglês e francês não estavam afastados do mundo.
   Existe, também, um outro mito, através dos tempos, de que escrever é um labor solitário, como alguns acham. Ao contrário, estamos ligados à vida, ao mundo, não se escreve a partir do nada. Mas não fujo da vida, apesar dos barulhos, das buzinas, dos estridentes alto-falantes, dos contratempos, das interrupções que possam prejudicar o trabalho.
    O meu desempenho poético requer o estabelecimento de uma relação com o tempo, o hoje, uma temporalidade diferente daquelas que as preocupações práticas normalmente nos impõem. Ninguém faz poesia para ganhar dinheiro. Isso é bom. Quer dizer, as pessoas fazem poesia por uma necessidade interior, de religar ao Eu perdido, um laboratório para que os poetas trabalhem a química das suas experiências, suas composições, como faziam os alquimistas.






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