O
símbolo do mel da vida se representa,
de
alguma forma, pela posição das palavras
PEQUENAS ALEGRIAS
Itamar Rabelo
Haicai
– Poesia Brasileira
Capa
e Ilustrações: Jean Forget
Editora
do Autor
64
Páginas
1ª
Edição
Ourinhos
- São Paulo
2008
Do meu ponto
de vista, os micropoemas de Itamar Rabelo não fracassam como haicais pela
atitude que se explicita quando os lemos sem os títulos. De fato, lidos sem os mesmos,
deixam-se ler como haiku. Com o
título, torna-se uma prática totalmente estranha à tradição do haiku. Ao adotá-los empobrece os
pequenos poemas, pois determina a direção da leitura ou força uma decifração
metafórica do terceto que nomeia. Os haicais sem título provocam aquele tipo
especial de emoção que nos é transmitida por um bom haicai de Bashô, Issa ou Buson, mesmo em
tradução para outra língua. Definida uma tal orientação da leitura, os haicais,
dotados ou não de estrutura métrica e rítmica compatível com a tradição da
língua portuguesa, perdem aquele modo específico que aprendemos a identificar
com o haicai. O que não os impede de ser, às vezes, bons poemas, em outra clave
de leitura.
É um haiku porque traz uma sensação de objetividade. Mais exatamente,
porque nele se contrapõe a uma observação predominante muito sensata, uma
percepção fugaz e pessoal. E, também, porque se mostra visual, até mesmo num sentido
icônico: o símbolo do mel da vida se representa, de alguma forma, pela posição
das palavras - no primeiro verso está caracterizado o trabalho da abelha que
recolhe o pólen das flores, no último o efeito de brotar o prazer de erguer, de
arrepiar, num sentido erótico implícito, as pétalas das flores; no central,
aquilo que une os dois planos num todo significativo, a observação pessoal do
poeta, a sua ilusão de que a abelha transitou tocando os lábios, na forma
figurativa do ato de amor carnal. Existe um sentimentalismo abrasileirado junto
à intenção simbólica ostensiva. Eis como se lê o poema, na sua forma completa:
No voo da abelha
principia-se o beijo.
Eriçam-se as flores.
(Pág. 23)
O haicai de Itamar Rabelo descende
da dicção intimista onde mistura o taoismo e o zen budismo de um haicaista dos
séculos 14 e 16, tipicamente medieval e naturalista, limitando-se aos temas
tradicionais, relacionados às estações da natureza, investindo, também, no
efêmero do tempo seja tanto de manhã, à tarde ou à noite, possui créditos com a
contemplação do instante fotográfico, melancólico e bucólico de Cecília
Meirelles: “Vejo uma cigarra./ O tronco é
uma longa estrada./ Mas a vida é curta...” (Página 43). Um belo poema que
testemunha o seu amor pela forma poética nipônica é esta composição: “No dia nascente,/ gotas vermelhas no chão./
Pitangas maduras.” (Página 32)
Rabelo percebe que essa poesia japonesa
que tanto o fascina nasce de uma radical recusa ao sentimental e ao emotivo, e
de um apego igualmente radical à percepção mais imediata, à sensação concreta,
visual, auditiva, tátil ou outra. Por ter percebido isso é que também
compreendeu completamente a função da palavra de estação (kigo) no haiku japonês.
Percebe-se mais: qual é a orientação do seu discurso, que é metafórico do ponto
de vista da concepção, e sentimental do ponto de vista da disposição de
espírito.
Vejamos aqui alguns haicais, de sua
autoria, como exemplos elucidativos:
Acorda o mundo
relógio certeiro.
Bem-te-vi.
(Página 13)
Penso: que seriam
Tantas flores no chão?
Voam borboletas.
(Pág. 17)
Nuvem passa...
Depois outra...e se abraçam.
São pombas no céu.
(Página 28)
Passada a chuva
Gotas pendem da folhagem.
São pequenos sóis...
(Página 41)
Algazarra nos galhos
Pardais se recolhem.
A noite já vem.
(Página 55)
Bruxuleio de vela
O voo aprisionado.
Mariposas.
(Página 57)
Cantata noturna
Carnaval no jardim.
Grilos namorando.
(Página 59)
Os haicais tropicais de Itamar Rabelo,
publicados no livro Pequenas Alegrias, trabalho editado pelo próprio autor,
em 2008, uma iniciativa corajosa que não pode ser pouco elogiada, por colocar à
disposição dos leitores, uma obra coerente, concisa, meditativa e inventiva de
um poeta. Um autor residente em Ourinhos que está entre as vozes mais
participativas, claras e autênticas da poesia contemporânea do interior
paulista.
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