Oxóssi, o deus caçador e da fartura na África
É preciso ter olhos
livres para ler o livro,
independente de religião
e filosofia
para que ingresse no
universo da poesia nagô
A miscigenação no Brasil não
aconteceu apenas entre as etnias que aqui se encontraram, mas também entre
famílias espirituais de origens distintas, como atestam as religiões
afro-brasileiras. Existe uma grande semelhança entre os arquétipos da mitologia
grega e os africanos, conforme verificará o leitor ao ler os poemas de Oriki
Orixá (190 páginas, coleção Signos, volume 19, primeira edição, 1996,
editora Perspectiva) de Antonio Risério, antropólogo e poeta baiano. São uma
espécie de ideogramas dos deuses. O livro traz, além da antologia, uma
série de ensaios sobre a poética do oriki, a religião ioruba, os
passos que Risério seguiu em sua tradução e, ainda, uma análise da influência
na obra de autores contemporâneos. Você vai encontrar orikis
disseminados por livros de Jorge Amado, João Ubaldo Ribeiro, Alejo Carpentier e
Hubert Fichte (em Ensaio sobre a Puberdade), ou mesmo, no que podemos chamar de
neo-orikis, em poemas de Severo Sarduy e letras de Dorival Caymmi e Caetano
Veloso.
Esse grande trabalho de transpiração
e recriação, vem contribuir para a memória da cultura afro-brasileira e
despertar a sensibilidade para as belezas dessa poesia. É preciso ter olhos
livres para ler o livro, independente de religião e filosofia para que ingresse
no universo da poesia nagô. No caso específico, por um tipo de poesia
religiosa, o oriki de orixá.
Esses textos organizam-se através de
uma sintaxe de colagem, as características mais marcantes dos orixás, em
composições que seduzem pela sonoridade e chegam a ofuscar pelo brilho e a
contundência das imagens. Foi um trabalho braçal, obsessivo e difícil de
traduzir: o ioruba, uma língua basicamente monossilábica, extremamente
dúctil e tonal, como o chinês. Existem traduções de orikis e fragmentos
de orikis para o português, feitas por Sikiru Salami e Pierre Verger (autor
de Os Orixás, uma das maiores referências para a antropologia, cultura e
memória do País.) São versões valiosas para o estudioso do mundo iorubano, mas
insatisfatórias do ponto de vista poético. Servem de referência, mas o autor
teve de consultar o assunto com mães-de-santo, como Stella de Oxóssi da Bahia.
Ao final da leitura de Oriki Orixá, mais do que o resgate de uma
tradição oral que se dilui, fica a impressão de que Antonio Risério desentranha
raízes fortes e secretas da cultura brasileira.
(Este artigo pertence ao livro "Religar às Origens" que pode ser encontrado no stand da Associação Prudentina de Escritores (APE) no 5º Salão do Livro, no Centro Cultural Matarazzo, de Presidente Prudente.)
RELIGAR ÀS ORIGENS
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