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Brincadeiras atemporais no corpo










“Pensar o corpo é uma outra maneira de pensar o mundo”
André Le Breton










            O corpo da criança na escola fica condicionado às regras típicas de uma instituição fechada, a exemplo do internato de “O Ateneu”, de Raul Pompéia, pois a forma geométrica do espaço escola, traz a imagem concreta de poliedro, de caixa ou retângulo. A desigualdade social trouxe o desequilíbrio, o que aumenta os índices de furtos, roubos, sequestros e outros tipos de agressões. Acrescenta-se à situação, a propaganda da cultura do medo promovida pela maioria dos meios de comunicação. Estes os principais fatores reivindicados pelos pais dos alunos e conselhos de segurança dos bairros (Consegs) para que as secretarias de educação locais e a direção de escolas privadas alterassem, principalmente, o seu perfil físico de acolhimento, elevando a altura dos muros, adicionando cercas elétricas e, em grande parte dos educandários particulares, o circuito interno de televisão e a contratação de seguranças nas entradas e garagens das escolas.
            Faltam os elementos como a água, a areia e a terra, imprescindíveis pela textura, pela reação natural de seu contato. São substâncias familiares e poéticas, que deixam a criança numa continuidade de contato com o mar, o sorvete, esculpir figuras nas areias das praias, enfim, o chão.
            Acredito que, se houvesse maior investimento nos campos físico e profissional, complementando com a reforma do projeto arquitetônico, incluindo áreas com árvores, espalhar bancos e caixotes de madeira, em vários pontos também deixar montes de areia e terra. Um local com uma represa para que haja o incentivo do esporte saudável como a natação, uma prática fundamental para que os alunos desenvolvam tanto o aspecto físico, motor e mental, promovam a interação social, a competitividade sadia, entre outras coisas. Outro fator que auxilia o desenvolvimento das crianças é o ambiente natural que despertem a curiosidade para conhecerem e programarem um passeio aos sítios e chácaras ainda resistindo e permanecendo nos arredores das cidades. Nesse espaço aberto e arejado a criança exercerá o seu verdadeiro ofício de brincar, de forma livre. O contato da criança com o seu corpo dentro das águas dos rios ou das represas, por outro lado, ativa o subconsciente, emergindo cenas de fatos que trouxeram alegria mesclada a algum medo ou bloqueio.
            O movimento corporal lúdico para a criança torna-se um aspecto imprescindível para sua interação grupal e desenvolvimento, porque esta linguagem é uma necessidade infantil. Tanto o jogo como as brincadeiras na terra ou na água proporcionam sensações, introduzindo a uma cinestesia do prazer.


A escola não pode tudo, mas pode mais. Pode acolher as diferenças. É possível fazer uma pedagogia que não tenha medo da estranheza, do diferente, do outro. A aprendizagem é destoante e heterogênea. Aprendemos coisas diferentes daquelas que nos ensinam, em tempos distintos [...], mas a aprendizagem ocorre sempre. Precisamos de uma pedagogia que seja uma nova forma de se relacionar com o conhecimento, com os alunos, com seus pais, com a comunidade, com os fracassos (com o fim deles), e que produza outros tipos humanos, menos dóceis e disciplinados.
(ABRAMOWICZ, apud BRASIL, MEC, 1997).*




            Como argumenta a autora acima, o momento atual exige pensar em uma pedagogia que seja uma nova forma de se relacionar. Acrescento que ser é muito mais que um simples modo de conhecer é, sobretudo, um modo de ser na relação. Assim, tornou-se inviável uma prática pedagógica focada na homogeneidade, na visão do ser fragmentado, em um currículo rígido que não acolha as diferenças. É necessária uma proposta educacional que seja totalizadora. Os novos conhecimentos de outras áreas, como a Neurociência e a Ciência Cognitiva contribuem para compreensão do processo de aprendizagem e dessa visão de totalidade do ser. Vale ressaltar que a totalidade, ou o todo, é muito mais do que a simples soma de suas partes. Não é uma adição, mas uma relação.
            Quando o pensador Domenico de Masi diz que o ócio é um nobre direito** – o autor nega e renega o trabalho humano pregando a urgente implantação da “sociedade do ócio”. De Masi propõe uma reflexão sobre a dialética entre o direito ao trabalho, no caso das crianças, o excesso de cursos e deveres, os quais, sempre monitorados, e o direito à preguiça. Dentro da sociedade que vivemos existe toda uma tradição a respeito do conceito de trabalho, a exemplo de pilar da organização social e ostentação de poder. Deixemos, então, as crianças viverem livres a infância, a fase mais importante de suas vidas. O ócio na mente de uma criança radiante é a negação do trabalho e a emancipação criadora.




Referências Bibliográficas:



*ABRAMOWICZ, 1997. In: ROTH, Berenice Weissheimer (Org.). Experiências educacionais inclusivas: Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial, 2006;


**DE MASI, Domênico. O Futuro do Trabalho: Fadiga e ócio na Sociedade Pós-Industrial. Sociologia, Editora Universidade de Brasília (UNB) e José Olympio, 354 páginas, brochura, Brasília, 2000;
- O Ócio Criativo. Ciências Sociais e Sociologia, Entrevista a Maria Serena Palieri, 336 páginas, 2ª edição, brochura, Editora Sextante, 2001.










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