Ilustração de Rubens Shirassu Júnior
Os
pássaros voavam em linha no céu,
muito
longe, voavam para o oeste, agora guinaram
como
se estivessem procurando uma abertura,
uma
passagem no horizonte,
o
mar azul aberto em algum lugar.
Suava
embaixo do chapéu de palha, e o sol batia à medida que rodava, virando e
virando na subida da estrada íngreme e sulcada. Girando e girando num círculo
cada vez mais amplo. - pensa. Havia um silêncio de séculos naquele lugar
longínquo. Uma atmosfera de sono e sonho. Nada se mexia. Talvez, um longo tempo
tinha se passado. Perdera a noção de espaço e de tempo. Em algum lugar, ao
longe, um trem silvou, o grito solitário dos trens. Foi como despertar para uma
nova realidade, uma chamada para o mundo paralelo, para a vida que abandona e
inicia uma outra jornada em terreno desconhecido. E um trem viajando em seus
sonhos para sempre, saindo da estação com sua carga preciosa, fretada, e nunca
parando em lugar algum, fazendo desvios em seus delírios e jamais chegando. O
estilhaçado som de sirene do apito do trem perdido e achado na noite e no dia
muito longe, sempre ecoando pela paisagem pintada, como se fosse algum sonho
fragmentado e ecoante da vida na Terra.
O sonho de certa forma nunca
realizado da vida humana ideal, uma utopia, o terrível anseio pela vida física,
a inesgotável fome de prazer arraigada na terra. O carmesim das frutas
brilhando na folhagem verde, nas colinas reluzentes, em suas virilhas, o solo
sexual quente ao sol, árvores galhadas na terra espessa, e o barro profundo da
terra. As vozes do vento e dos rios chamando e cantando sua fome de viver, uma
sede no chão selvagem onde todas as coisas respiram. E o tropeiro saía e
começara atravessar aquelas paragens, no sol do meio dia, entre os cordões de
seda da luz solar, o calor batendo nos campos quentes e viçosos repletos do
branco do algodão e o vermelho marrom dos cafezais. Um sopro sereno o empurra à
frente. Se sente como um paladino perdido, numa euforia de sol, queimando sobre
ele, ondas de luz turbilhonando sobre o seu corpo, naquele campo verde e agora
os pássaros voavam em linha no céu, muito longe, voavam para o oeste, agora
guinaram como se estivessem procurando uma abertura, uma passagem no horizonte,
o mar azul aberto em algum lugar.
Um tropeiro fantasma perdido na luz
do sol que caía por trás de árvores, matas e florestas com suas sombras
fantasmagóricas e uma única ferrovia, a Estrada de Ferro Sorocabana
serpenteando para longe, a estrada chegando agora num vale estendido abaixo e
visível por entre a trama das árvores, um cavalo branco atrás, pastando,
nenhuma pessoa à vista em lugar nenhum, entre as sombras que se alongavam. A
esperança estava no oeste.
A vida era
ainda umas nuvens leves e espalhadas em várias direções, como que cavalgando
sem rumo e divertindo-se pela aventura de uma quimera dentro de um sonho. Mesmo
a paisagem e as criaturas a cada momento mais bárbaras, mais brutas no coração
da zona rural, sob os braços curvados das árvores estendidos e nos campos
selvagens. As longas gramíneas ondulando com o vento ateu dançam no ar
enlouquecendo tudo em seu rastro. A vida como um todo respirando e se movendo
em círculos, no crepúsculo que se formava, o aprendiz de tropeiro deixa-se
levar arrebatado naquele transe de viajante pelo matagal, enquanto avançava
para a morte do sol. Apenas ouvia a sua pulsação, uma pequena ave passava para
oeste, querendo procurar as sombras e carecia de se alimentar na penumbra. Uma
brisa fresca beija-lhe o rosto, recebe os bafejos de vento como um flanar de
asas no fiel coração, desfalecido, dorme no sossego, mergulhado no breu do
riacho da noite.
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