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Tântalo





Ilustração de Aryundomel









Um ser comendo terra e enfermo
delira engolindo meridianos do rio seco
e, quase desmaiando,
escuta a voz na própria aresta
absurda descoberta
de seus olhos envidrados.
A criatura repete cores intermediárias
e blasfema passos de pés sutis,
na areia nova, dores que não as suas,
aumentando prantos
que não dos olhos pelo corpo,
pedaços de outros vidros espetando.
Naufraga todo em garrafas
para alguém encontrar
impregnado de chagas,
como apavorantes cravos,
flores cujos pássaros
visitam-nos nas horas claras.



Nas horas reacendidas,
procura nuvens gordurosas,
como banhas, como cachos de vísceras
sem sangue.
E são nuvens baixas e fugazes,
mas, um ciclone enlaça
esporas de raios devasta
o arquipélago dos mortos.



Outros estendem as mãos,
param adiante, os pés os traem,
as mãos travam aos pés desajustados.


Sorriem dessas quedas seculares,
aprenderam a rir desanimados,
um sol de concha alva túnica
para o suplício de Tântalo,
um gosto mole para os dentes,
dança como emplastro sobre o fígado,
pastosa água ardente
chupando a bile.
Os troncos amargos giram,
nenhum deles ao certo
se conhecem com tanta areia e urtigas
sobre as faces.
As carapaças das unhas os carregam
através de escarpelados impossíveis.
No mais as larvas fel desses cortiços,
tingindo as mãos congregadas do povo.
Entre o tempo cansado e o espaço esguio,
entre a angústia raivada que se abria.
As coisas estanques, as vozes já calcinadas,
o olhar seco do céu, calado tempo,
e o sono pesa pela fome
e confundindo com esses nadas,
essas cinzas, esses destroços,
esses mistérios cavalgam
na memória suspendida
presos à raiz profunda
tatuam-se, como lousa viva
só em ilhas vazias,
submerso em ti desce os degraus
dos abismos de teu rio
morto, confuso e disperso.







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