“As
plantas me ensinaram de chão.
Fui
aprendendo com o corpo.
Hoje
sofro de gorjeios
Nos
lugares puídos de mim.
Sofro
de árvores.”
Este poema é de Manoel de Barros,
que morreu aos 97 anos, em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, há 1 ano e três
meses. Em 1937, ele publicou seu primeiro livro, Cabeludinho, que mais tarde se
chamou Poemas Concebidos sem Pecado e, de lá para cá, manteve-se,
voluntariamente, no anonimato, arredio a entrevistas e dividindo seu tempo
entre o Rio de Janeiro, para onde se mudou em 1929, e o Pantanal, onde
administrou uma fazenda por herança. Este comportamento explica seu apelido,
“Caramujo do Pantanal”. O anonimato é uma opção. “O escuro me faz bem.
Costumava dizer que é a escuridão que acende o vagalume”, sustenta. Mas acabava
admitindo que “no fundo, no fundo não é só uma opção. Havia também uma boa dose
de timidez. Quando publicava um livro no Rio, fugia para o Pantanal com medo da
repercussão que ele poderia ter”. Fã incondicional de Woody Allen, Federico
Fellini e Luis Buñuel.
Mas nas suas poesias ele não punha
nada disso. Seus versos são cheios de Pantanal. Trabalha as palavras com
desvelado carinho, justapondo-as de forma inovadora e criativa, extraindo delas
todo o seu potencial combinatório de sons, cores, perfumes e sentidos. Apesar
de uma parcela de acadêmicos rotulá-lo de primitivista e representante do
regionalismo literário, pois suas imagens frequentemente se apoiam no ambiente
deslumbrante do Pantanal Matogrossense. A sonoridade do seu falar. A cor. O
ritmo impecável, a respiração leve e a elegância. É impossível lê-lo sem ficar
pasmo. Sem fugir à realidade ecológica que o cerca, numa segunda leitura,
descobre-se “que há mistério e tensão
envolvendo cada palavra, pois em torno delas irão pouco percebendo uma riqueza
de contexto, de tons e subtons, de alusões e metáforas que lhes dão
profundidade e caleidoscópica configuração.” – completa o editor brasileiro
Ênio Silveira.
Ao lermos os 18 volumes, da caixa
Biblioteca Manoel de Barros, acredito que a partir da década de 1970, temos o
estilo, a maturidade e a originalidade reluzente de um dos maiores poetas
brasileiros de todos os tempos.
O livro
sobre nada
É
mais fácil fazer da tolice um regalo do que da sensatez.
Tudo
que não invento é falso.
Há
muitas maneiras sérias de não dizer nada, mas só a poesia é verdadeira.
Tem
mais presença em mim o que me falta.
Melhor
jeito que achei pra me conhecer foi fazendo o contrário.
Sou
muito preparado de conflitos.
Não
pode haver ausência de boca nas palavras: nenhuma fique desamparada
do
ser que a revelou.
O
meu amanhecer vai ser de noite.
Melhor
que nomear é aludir. Verso não precisa dar noção.
O
que sustenta a encantação de um verso (além do ritmo) é o ilogismo.
Meu
avesso é mais visível do que um poste.
Sábio
é o que adivinha.
Para
ter mais certezas tenho que me saber de imperfeições.
A
inércia é meu ato principal.
Não
saio de dentro de mim nem pra pescar.
Sabedoria
pode ser que seja estar uma árvore.
Estilo
é um modelo anormal de expressão: é estigma.
Peixe
não tem honras nem horizontes.
Sempre
que desejo contar alguma coisa, não faço nada; mas quando não
desejo
contar nada, faço poesia.
Eu
queria ser lido pelas pedras.
As
palavras me escondem sem cuidado.
Aonde
eu não estou as palavras me acham.
Há
histórias tão verdadeiras que às vezes parece que são inventadas.
Uma
palavra abriu o roupão pra mim. Ela deseja que eu a seja.
A
terapia literária consiste em desarrumar a linguagem a ponto que ela expresse
nossos mais fundos desejos.
Quero
a palavra que sirva na boca dos passarinhos.
Esta
tarefa de cessar é que puxa minhas frases para antes de mim.
Ateu
é uma pessoa capaz de provar cientificamente que não é nada.
Só
se compara aos santos. Os santos querem ser os vermes de Deus.
Melhor
para chegar a nada é descobrir a verdade.
O
artista é erro da natureza. Beethoven foi um erro perfeito.
Por
pudor sou impuro.
O
branco me corrompe.
Não
gosto de palavra acostumada.
A
minha diferença é sempre menos.
Palavra
poética tem que chegar ao grau de brinquedo para ser séria.
Não
preciso do fim para chegar.
Do
lugar onde estou já fui embora.
O
menino que carregava água na peneira
Tenho
um livro sobre águas e meninos.
Gostei
mais de um menino
que
carregava água na peneira
A
mãe disse que carregar água na peneira
era
o mesmo que roubar um vento e
sair
correndo com ele para mostrar aos irmãos.
A
mãe disse que era o mesmo
que
catar espinhos na água.
O
mesmo que criar peixes no bolso.
O
menino era ligado em despropósitos.
Quis
montar os alicerces
de
uma casa sobre orvalhos.
A
mãe reparou que o menino
gostava
mais do vazio, do que do cheio.
Falava
que vazios são maiores e até infinitos.
Com
o tempo aquele menino
que
era cismado e esquisito,
porque
gostava de carregar água na peneira.
Com
o tempo descobriu que
escrever
seria o mesmo
que
carregar água na peneira.
No
escrever o menino viu
que
era capaz de ser noviça,
monge
ou mendigo ao mesmo tempo.
O
menino aprendeu a usar as palavras.
Viu
que podia fazer peraltagens com as palavras.
E
começou a fazer peraltagens.
Foi
capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.
O
menino fazia prodígios.
Até
fez uma pedra dar flor.
A
mãe reparava o menino com ternura.
A
mãe falou: Meu filho você vai ser poeta!
Você
vai carregar água na peneira a vida toda.
Você
vai encher os vazios
com
as suas peraltagens,
e
algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos!
CAIXA BIBLIOTECA MANOEL
DE BARROS
Manoel de Barros
Literatura
Brasileira - Poesia
18
volumes
Altura:
17.00 cm
Largura:
12.00 cm
Editora
Leya Brasil
Ano
de Edição: 2013
Inclui seu último lançamento “Menino
do Mato” que inclui “Escritos em Verbal de Ave” e o poema inédito “A Turma”,
escrito em 2013. A coleção traz também um volume que reúne todos os poemas
infantis do poeta, que se chama “Exercícios de Ser Criança”, de 1999, “O Fazedor
de Amanhecer”, 2001, “Cantigas por um Passarinho à toa” (2003) e “Poeminha em
Língua de Brincar” (2007).
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