HISTÓRIA DO BRASIL PARA QUEM TEM PRESSA
Marcos Costa
Editora Valentina
1ª Edição
200 Páginas
Rio de Janeiro – RJ
2016
Marcos Costa,
historiador e escritor, apresenta aos leitores, estudantes e pesquisadores o
livro A História do Brasil Para Quem Tem
Pressa, um resumo bem claro, objetivo e fluente que permite redescobrir o
País e toda a riqueza e a complexidade da cultura brasileira. E, além disso, o
escritor reuniu os mais importantes autores e obras da história, da economia,
da sociologia e literatura, despertando para o estudo aprofundado de como e
porque o Brasil se tornou o que é.
A obra trata de diferentes e longos
períodos da história brasileira, desde antes do descobrimento até o século 21.
Costa analisa a formação do País e de seu povo, os conflitos que atravessaram a
história e os que ainda atingem a sociedade brasileira. De forma didática,
busca entender as características das relações sociais e raciais, e as razões
dos atrasos econômico e político da Nação.
O volume conta com várias citações
de grandes nomes do pensamento, a exemplo de Raízes do Brasil, de Sérgio
Buarque de Holanda, Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freyre, Caio Prado
Júnior, Os Sertões, de Euclides da Cunha, Raimundo Faoro, entre outros. Isto o
torna precioso e indispensável, como uma contribuição ao entendimento geral do
Brasil através do trabalho abrangente e vigoroso que não quer iludir a respeito
do País em constante transição pelos embates e interesses dos representantes do
povo, refletindo uma inconstância dos mesmos.
No capítulo Quatro: Período
Republicano, no item “Polarizações Perversas: De volta ao Início”, da página 169,
referente ao atual governo, vejo a necessidade do autor, após o término de
mandato, refletir e produzir uma edição revista e aumentada, para desfazer a imagem
simbólica, poética, vaga e obscura do final do livro.
Com raríssimas exceções os textos
sobre história, economia e sociologia costumam ser chatos, rebuscados e áridos,
mesmo quando escritos por pessoas de talento. O que exige uma certa
versatilidade para falar descontraidamente de temas como a inflação, o desemprego,
o déficit público, a dívida externa e outros temas pesados. Mas isso não é problema
para Marcos Costa, cujos três títulos publicados nos últimos tempos têm vendido
inúmeras edições, principalmente após o clássico, O Reino que não era Deste Mundo, de 2014, leitura obrigatória de
todos os pesquisadores brasileiros.
Entretanto, após longo estudo sobre
a vinda da corte portuguesa, entre outras facetas como o arrendamento para os
holandeses, Costa publica agora um livro “História
do Brasil Para Quem Tem Pressa” sobre o processo de formação econômica,
política e social, uma obra que engloba diversos temas, de forma sintetizada, moderna,
ágil e clara, ultrapassa as barreiras desse gênero literário, para entrar no
campo da literatura psicológica. Verifico que foram precisos muitos anos de leitura,
reflexão, e muitas páginas escritas para que Costa atingisse a síntese de gêneros,
amalgamando num só texto, a história econômica, as ideias e a sua vivência
pessoal, misturados com pitadas de reflexões filosóficas. Suas pesquisas
associam a gênese do subdesenvolvimento ao pesado legado do período colonial e
a sua continuidade à presença de classes dominantes aculturadas, obcecadas em
imitar os estilos de vida e de consumo das economias centrais. Dessa maneira,
ele conseguiu expor o nascimento e a consolidação do desenvolvimento no Brasil,
precursor do atual estruturalismo, por meio de um método narrativo fundado por
Platão com a dramatização das ideias filosóficas e que tem em Thomas Mann um de
seus maiores expoentes atuais. Assim, a “História
do Brasil Para Quem Tem Pressa” apresenta as reflexões e as interpretações
históricas, econômicas e sociais dos principais intelectuais latino-americanos,
não de forma fria e abstrata, que as criaram e defenderam com uma certa carga
de paixão e calor humano. Certo de que os problemas econômicos não podem ser
separados dos condicionantes socioculturais e políticos que sobredeterminam o
alcance da concorrência como mola propulsora do processo de incorporação de
progresso técnico, Costa rejeita o enfoque cosmopolita dos problemas econômicos.
O tema central do livro é da maior
atualidade, pois trata também da formação intervencionista brasileira que iria
se contrapor ao liberalismo econômico e ao neomonetarismo de Eugênio Gudin e Octávio
Bulhões prevalecente na época, para produzir uma concepção keynesiana de Estado
adequada a um país de capitalismo retardatário. Daí por diante, o pensamento
econômico brasileiro ficaria cindido em duas grandes correntes que perduram até
o presente. De um lado, a velha corrente do liberalismo clássico e do
monetarismo e, do outro, a corrente intervencionista estruturalista, com
ramificações para o marxismo, mas centrada nas ideias da CEPAL (Comissão
Econômica para a América Latina) e do desenvolvimento.
Seu enfoque examina os problemas do
desenvolvimento nacional pela ótica da acumulação. Partindo de uma construção
teórica e de uma metodologia de análise histórica sui generis, que combina a noção de excedente social da economia
política clássica, a teoria das decisões de Weber e Mannheim, o enfoque
estruturalista da relação centro-periferia de Prebisch, a teoria da demanda
efetiva de Keynes, as lições sobre os círculos viciosos do subdesenvolvimento
de Myrdal, Perroux e outros desenvolvimentistas, o objetivo primordial do
trabalho de Costa é desvendar a racionalidade econômica que orienta o processo
de industrialização - a espinha dorsal dos sistemas econômicos nacionais.
Sua abordagem privilegia as relações
de causa e efeito entre expansão das forças produtivas e modernização dos
padrões de consumo. O foco do problema consiste em decifrar os mecanismos
responsáveis pela elevação da produtividade física do trabalho e pelos seus
reflexos sobre a capacidade de consumo da sociedade. Para tanto, torna-se vital
examinar as estruturas sociais que condicionam o equilíbrio de força entre
capital e trabalho. O nó da questão está nos mecanismos de acesso à terra, aos
meios de produção e ao mercado de trabalho.
No arcabouço analítico de Costa, a
problemática do subdesenvolvimento é organizada em contraposição à situação do
desenvolvimento, estado "ideal" que assume a sociedade capitalista
quando a incorporação de progresso técnico adquire uma dinâmica endógena. Tal situação
é associada à presença de mecanismos de socialização do excedente social entre
salário e lucro. Parte-se do princípio de que é a contínua transferência dos
aumentos na produtividade física do trabalho para salário real que impulsiona a
dialética de inovação e difusão do progresso técnico, combinando aumento
progressivo da riqueza da Nação e crescente elevação do bem-estar do conjunto
da população. Dentro dessa concepção, o desenvolvimento requer como condi- ção sine qua non um mínimo de equidade
social. A questão central consiste na presença de estruturas sociais que
permitam que o movimento de acumulação de capital provoque uma tendência à
escassez relativa de trabalho. Assim, Celso Furtado estabelece no corpo de sua
teoria do desenvolvimento econômico a presença de nexos inextrincáveis entre
desenvolvimento capitalista autodeterminado e homogeneidade social.
A reflexão do historiador sobre
subdesenvolvimento parte da constatação de que as premissas históricas que
viabilizam o desenvolvimento não estão presentes nas economias
subdesenvolvidas. A situação periférica e a reprodução de grandes assimetrias
sociais criam bloqueios à inovação e à difusão do progresso técnico que inviabilizam
a endogeneização do movimento de transformação capitalista. A dificuldade
decorre da impossibilidade de encadear os requisitos técnicos e econômicos de
cada fase de incorporação de progresso técnico. Como a economia periférica
carece de força própria, seu movimento de incorporação de progresso técnico
responde a uma racionalidade adaptativa condicionada: de fora para dentro,
pelas características do processo de difusão desigual do progresso técnico que
se irradia das economias centrais; e de dentro da própria sociedade, pelas
decisões políticas internas que definem o sentido; o ritmo e a intensidade com
que se deseja assimilar as tecnologias oriundas do centro capitalista.
De acordo com essa perspectiva, o
subdesenvolvimento é o produto de uma situação histórica, que divide o mundo em
uma estrutura "centro-periferia", e de uma opção política, que
subordina o processo de incorporação do progresso técnico ao objetivo de copiar
os estilos de vida das economias centrais. O problema decorre do fato de que a discrepância
entre as economias centrais e periféricas quanto à capacidade de elevar a
produtividade média do trabalho e quanto ao poder de socialização do excedente
entre salário e lucro faz com que o estilo de vida que prevalece no centro não
possa ser generalizado para o conjunto da população periférica. O
subdesenvolvimento surge quando, ignorando tais diferenças, as elites que
monopolizam a renda impõem, como prioridade absoluta do processo de acumulação,
a cópia dos estilos de vida dos países centrais, impedindo assim a integração
de considerável parcela da população aos padrões mais adiantados de vida material
e cultural. Dentro desta reflexão, a teoria do subdesenvolvimento de Celso Furtado
pode ser vista, portanto, como uma crítica à irracionalidade de um movimento de
incorporação de progresso técnico que reproduz continuamente a dependência
externa e a assimetria social interna.
Como historiador e pensador deve
posteriormente desvendar o caráter da antinomia entre subdesenvolvimento e
Nação, como pauta de sua investigação sobre a formação econômica do Brasil. O
esforço é explicar o processo histórico de constituição das bases técnicas, dos
substratos sociais, da matriz espacial, dos "centros internos de
decisão" e do Projeto Nacional que impulsionaram a construção de um
sistema econômico nacional. O eixo de sua interpretação pode articular em torno
da relação contraditória entre a posição periférica da economia brasileira no
sistema capitalista mundial e o avanço da industrialização - a espinha
vertebral de uma economia nacional. Tal contradição se cristaliza na
impossibilidade de consolidar um mercado interno que contemple o conjunto da população,
problema derivado da opção pela modernização dos padrões de consumo como
critério que orienta o processo de incorporação de progresso técnico; na grande
dificuldade para definir uma política econômica pautada pela defesa dos
interesses nacionais reflexo do colonialismo cultural das classes dominantes;
na falta de controle sobre os "centros internos de decisão", cuja
maior expressão são as recorrentes crises de estrangulamento cambial, a permanente
situação de fragilidade fiscal é a elevada frequência de crises monetárias; e,
por fim, na reprodução de heterogeneidades estruturais - produtivas, sociais e
regionais - que caracterizam as economias subdesenvolvidas.
A oposição entre subdesenvolvimento
e desenvolvimento nacional constitui uma ameaça que pode a qualquer momento
solapar a capacidade de a sociedade brasileira controlar o seu tempo histórico.
O subdesenvolvimento, como deus Janus, tanto olha para frente como para trás,
não tem orientação definida. É um impasse histórico que espontaneamente não
pode levar senão a alguma forma de catástrofe social. Enquanto o
subdesenvolvimento não for incompatível com a consolidação dos centros internos
de decisão e com o avanço da industrialização, não há antagonismo irredutível
entre modernização e construção de um sistema econômico nacional.
O historiador deve elaborar um
estudo original sobre o processo histórico de constituição da economia brasileira.
Escrito no contexto do século XXI, permeado pela visível e selvagem desigualdade
social, indicando as raízes históricas de nosso subdesenvolvimento e pondo a nu
os obstáculos que bloqueavam a formação da economia nacional. Neste trabalho, a
economia brasileira está marcada pelo baixíssimo grau de desenvolvimento da
economia colonial, pelo atraso na formação do mercado interno, pela eclosão
tardia da industrialização, pela subordinação da substituição de importações à
lógica da modernização dos padrões de consumo, pela presença de fortes
heterogeneidades produtivas, sociais e regionais, bem como pela cristalização
de uma estrutura centro-periferia dentro do próprio País que agravou as
desigualdades regionais, pela tendência ao desequilíbrio externo e à inflação
estrutural, pelas dificuldades para a consolidação de centros internos de decisão
autônomos e pelo retardo na definição de uma política econômica genuinamente
nacional.
Não obstante as mazelas do
subdesenvolvimento, o sentido do movimento histórico aponta claramente na
direção de um processo de estruturação das premissas fundamentais de uma
economia nacional. Mesmo aprofundando as heterogeneidades estruturais e
exacerbando a dependência externa, a industrialização subdesenvolvida tinha
exercido um importante papel como elemento formador de uma economia nacional. O
expressivo aumento do excedente social e a internalização da indústria de bens
de capital começavam a desenhar o esboço de um sistema econômico que funcionava
como um todo orgânico. Ao ampliar as oportunidades de emprego em atividades de
elevada produtividade, a expansão das forças produtivas contribuía não apenas
para legitimar o "modelo brasileiro" como também para cristalizar a
própria unidade nacional. A acelerada expansão do mercado interno desencadeava
forças centrípetas que eram decisivas para estreitar os nexos econômicos entre
as diferentes regiões do país e para tornar viável a plena mobilidade do
trabalho no território nacional. Revelando surpreendente capacidade de
conciliar desigualdade social e crescimento econômico, o "modelo
brasileiro" levou a industrialização subdesenvolvida ao paroxismo.
É impossível compreender a gravidade
da crise brasileira sem um profundo mergulho nas suas origens históricas mais
remotas. Segundo, porque o diagnóstico atual não nega a interpretação anterior,
mas a pressupõe e a desdobra para contemplar as novidades históricas dos
últimos quarenta anos. Necessita-se
enfrentar as causas profundas do subdesenvolvimento, retomando, assim, a
bandeira perdida nos anos sessenta. Sem temer a estigmatização que recai sobre
aqueles que não se submetem ao asfixiante consenso da modernização (dos padrões
de consumo), Celso Furtado defende em linguagem simples e direta a urgência de
uma ruptura com a situação de dependência externa - um tabu que poucos, mesmo
nos setores mais à esquerda do espectro político, ousam colocar na agenda política
do país:
Em meio
milênio de história, partindo de uma constelação de Reitorias, de populações indígenas
desgarradas; de escravos transplantados de outro continente, de aventureiros
europeus e asiáticos em busca de um destino melhor, chegamos a um povo de
extraordinária polivalência cultural, um país sem paralelo pela vastidão
territorial e homogeneidade linguística e religiosa. Mas nos falta a
experiência de provas cruciais, como as que conheceram outros povos cuja
sobrevivência chegou a estar ameaçada. E nos falta também um verdadeiro
conhecimento de nossas possibilidades, e principalmente de nossas debilidades.
Mas não ignoramos que o tempo histórico se acelera, e que a contagem desse
tempo se faz contra nós. Trata-se de saber se temos um futuro como nação que
conta na construção do devenir humano. Ou se prevalecerão as forças que se
empenham em interromper o nosso processo histórico de formação de um
Estado-nação.
Marcos Costa acredita no Brasil. Recusa-se
ao conformismo de quem pensa que o país não tem escolha e que só lhe resta
aceitar documente as tendências espontâneas da globalização e não se abate com
o caráter hercúleo dos desafios que devem ser enfrentados para a construção da Nação.
Ao transcender o marco do status quo,
suas ideias representam alternativa criativa à discussão que circunscreve as
opções da sociedade brasileira à escolha binária entre o modernismo acelerado
dos neoliberais ou a nostalgia extemporânea dos nostálgicos neodesenvolvimentistas.
Sua reflexão não aceita o beco sem saída que limita o debate sobre o futuro do
Brasil a um estéril braço de ferro sobre o ritmo e a intensidade do processo de
modernização dos padrões de consumo. Por isso, no momento em que o povo
brasileiro busca desesperadamente resgatar o desenvolvimento nacional, Costa e
suas referências bibliográficas devem ser lidos, relidos, estudados e debatidos.
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