Ilustração O filho do homem por René Magritte
Num dos melhores romances no Brasil,
o tema do pai, do filho e da indigência afetiva masculina
Um peregrino em
jornada à Terra Santa, na busca do Pai. Um território místico a ser palmilhado
com espanto e minúcia – tudo pode ser, tudo é significativo. O cenário
predomina mais do que o desfecho. Um mundo de homens, muito duro, afeto
contido, emoção sempre clandestina. A relação pai e filho que se buscam como
dois bandoleiros, dois “rudes bravos”, num saloon, é o cerne de Rastros do Verão, romance do gaúcho
João Gilberto Noll, pela Editora Record. Um homem de 40 anos percorre as ruas
de Porto Alegre em estado quase catatônico. Vários pontos aproximam o escritor
e o personagem: ambos voltam, depois de muito tempo, a uma cidade quase
estranha (Noll morava no Rio de Janeiro, desde 1969); ambos têm a mesma idade. Mas
as semelhanças param aí. Noll encontrou seu pai aos 75 anos, muito doente: “Entre outros motivos, voltei para
acompanhar os últimos tempos do meu pai. Isso foi muito importante para ele,
mas principalmente para mim.” Já em Rastros
do Verão, o pai que o protagonista busca não existe.
O fato cru é que hoje
o tema do pai e do filho, das duras relações masculinas, vem se mostrando como
preocupação de época. O que dificulta traçar um paralelo entre o Paris, Texas, de Wim Wenders e os
Rastros do Verão, de Noll. Ou lembrar Pai
Patrão, de Gavino Ledda, entre muitos outros livros, filmes, poemas,
canções e peças teatrais. O que João Gilberto acha disso tudo? “Posso falar apenas por mim”, diz este
escritor alto, barba batida sobre o rosto, e que morava em Porto Alegre. “Não estou procurando a figura paterna
familiar. Parto da indigência afetiva nas relações masculinas. E nesta questão,
é fundamental, primal, a relação pai e filho.”
Noll não tinha
dúvidas: “Esta é uma relação sempre em
débito na nossa sociedade. O que importa é o desempenho do poder pelos homens.
Não há, ou não havia, muito lugar para a emoção verdadeira, a entrega. A
disputa tem privilégios no mundo do homem.” Os artistas, para ele, é que
podem abrir a discussão, “neste mundo de
individualidade tão massacrante.” Um conto chamado Alguma Coisa, Urgentemente, de seu primeiro livro O Cego e a Dançarina (Editora Record),
que lançou em 1980, já investigava o tema e virou filme - Nunca Fomos Tão Felizes - muito aclamado.
Mas este autor que
preferiu o afastamento e confessa uma atração por um vago sentimento de
“estranheza”, não se satisfaz apenas com as razões que centram no jogo de
poder. “Essa figura do pai que se
persegue pode ser muita coisa. Gosto de trabalhar muito com os espectros.
Sempre gostei especialmente, em Shakespeare, das bruxas, dos fantasmas e
espectros, dos seres de outras ordens. Esse pai pode então ser um pouco de
Deus. Acho que ele é mesmo este Deus perdido do nosso tempo, que anda por aí.”
Três Obras de João Gilberto Noll
O Cego e a Dançarina (contos), 142 páginas,
Editora Record, 2008
A Fúria do Corpo (romance), 276 páginas, Record,
1981
Bandoleiros (romance) 160 páginas, Editora
Record, 2008
Rastros do Verão (romance), 80 páginas, Editora
Record, 2008.
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