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Zona morta









Ignorar ou esquecer o conteúdo dessa memória constituída por tradição
equivale a uma regressão ao estado natural









Em tudo o que pretende ser arte há uma grande desproporcionalidade entre o que é bom e o que é ruim. Talento, o determinante dessa diferença, essencialmente implica e se insere num plano de reconhecimento de cultura, um processo seletivo ligado à qualidade. Não que qualidade seja um dos componentes do processo que define quem faz sucesso ou não. Para mim: sucesso, no boom artístico do Brasil, significa manter um bom jogo de interesses e não apenas confirmar a exceção à regra: muito material sem conteúdo e pouca coisa aproveitável. "O contexto Brasil/ malícia/ dor-de-corno/ e vale-tudo é o que está impregnado nas ruas, e nós, que temos um trabalho com uma certa qualidade, somos diretamente afetados pela mediocridade generalizada, o way of life imposto pelos marketeiros de plantão. Pela aversão ao novo, pelo medo do que não se conhece, o público nunca pôde prestar atenção ao que a mídia não veicula, somos jogados numa zona morta. Os meios de comunicação e as secretarias de cultura, do País, centralizam e manipulam as informações, do que pode e não pode tornar público, conforme os interesses das editorias ou atendendo às agências de propaganda e de notícias. Existe uma relação de amor e de ódio da imprensa e órgãos gestores de cultura. Até quando essa relação é benéfica e quando se torna maléfica para a imagem dos produtores culturais?
Em razão da grande dimensão e complexidade sobre os fatores que contribuíram para a destituição e enterro das referências culturais, incluindo a questão de vontade política, maior visão dos publicitários e educadores. Partindo da década de 1970, com a ascensão de Timochenco Wehbi, na dramaturgia do Brasil, e de Kinya Ikoma, na pintura abstrata pelas Américas, como exemplo de personalidades mortas e esquecidas. Incluindo os aspectos econômico e social na formação de Presidente Prudente. Motivo pelo qual o setor paga um preço muito alto, no que se refere à comercialização e à atração de novos públicos e mobilizar o comércio em geral, como os restaurantes, a hotelaria, os parques e resorts da cidade. Assim, não discutirei esse problema com a atenção que merece pela profundidade do tema e o espaço mais amplo que o mesmo exigirá.
Uma parcela da classe artística que criava só por diversão começa a produzir com maior rigor técnico, estimulada pela possibilidade de ter seu trabalho apreciado. Indícios sintomáticos de um incipiente profissionalismo surgem a partir daí: agora eles têm onde e como aparecer. A mídia, os diretores de marketing das grandes empresas, infelizmente, não abrem os olhos, deparando-se com essa nova movimentação. Trabalhando no escuro, alguns artistas agitam Presidente Prudente e chegam em outros estados e países! Dentro de um contexto tido como cultura bovina, fragmentária, que pouco investe na preservação da memória/identidade e sem estratégia, um grupo de artistas lança, às próprias custas, seus livros, cd´s em busca de espaço e levantar algum dinheiro. Lembra das Leis de Incentivo e abatimento no imposto que amarelam nas gavetas do esquecimento? Apesar dos papagaios (que consomem cultura estrangeira nas resenhas da internet e TV´s) estragarem humores, poucos artistas surpreendem pela qualidade e diversidade de gêneros. Com artistas de formação privilegiada, o movimento independente de Prudente, toma ares de concreto e proporciona alguns lances no marasmo cotidiano. É claro que são poucos: uma questão de profissionalismo, talento, marketing cultural e bons contatos. Para ilustrar o raciocínio, incluo os artistas plásticos Roberto Bertoncini e Adão Francisco dos Santos, de Martinópolis, ainda ativos e diferenciam por criar um estilo próprio. Assim, merecem um livro de arte contendo a biografia e o acervo iconográfico de suas pinturas.
A função do mito em revelar os modelos e fornecer uma significação ao mundo pode ser discernida como Cosmo perfeitamente articulado, inteligível e significativo. Na sociedade, a cultura se constitui e se renova graças às experiências criadoras de alguns indivíduos. Quando uma sociedade sustenta e valoriza a imagem dos seus mitos, estes são reinterpretados e aprofundados, a sociedade em seu conjunto é conduzida para os valores e as significações descobertas e veiculadas por esses poucos indivíduos. Nesse sentido, o mito ajuda o homem a ultrapassar os seus próprios limites e condicionamentos, e incita a se elevar para “onde estão os maiores”.
No sentido da teoria das ideias anamnesis platônica comparando ao homem das sociedades arcaicas tradicionais encontra nos mitos, ídolos ou referências, os modelos exemplares de todos os seus atos. Os mitos lhe asseguram que tudo o que ele faz ou pretende fazer, já foi feito no princípio, no passado, portanto, constituem, a súmula do conhecimento útil. Uma existência individual torna-se e se conserva, uma existência plenamente humana, responsável e significativa, na medida em que ela se inspira nesse reservatório de atos já realizados e pensamentos já formulados. Ignorar ou esquecer o conteúdo dessa memória constituída por tradição equivale a uma regressão ao estado natural (a condição acultural da criança), a um pecado ou a um desastre.






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