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Entre atos, fantasias e sufoco


Ao passar a tempestade causada pela colagem “Por Quê Não Nasci”, de John Howard, retorna à ordem do dia com as rodas de conversa na porta dos boxes do Mercado Municipal, na Avenida Coronel Marcondes, no bairro do Bosque. O sensacionalismo barato estampado nos títulos grandes do jornal Notícias Populares entrecortado pelas grandes imagens das revistas Manchete, O Cruzeiro e Fatos & Fotos, e adocicado pelas fotonovelas fantasiosas e românticas da revista Sétimo Céu. Em contraste, aos closes momentâneos e curiosos de jogadores pelas lentes dos fotógrafos da Placar, uma publicação mensal sobre futebol, o ópio do povo. Havia um público mesclado que consumia os pocket books (livros de bolso) de espionagem, como a personagem fictícia criada por Lou Carrigan, pseudônimo de Antonio Vera Ramirez, de Barcelona, da série Brigitte Montfort – A Filha de Gisele, da coleção ZZ7, de guerra, e de bang-bang, as investigações do agente secreto Jackie Douglas, em quadros no formato fotonovela, entre outros. Eram rotulados como subliteratura, mas, pelo contrário, alcançaram recordes de venda no sistema de bancas no País. Essas publicações também eram expostas nas revistarias das barbearias, desde a antiga área comercial até a Vila Marcondes, na zona leste. A imprensa nanica, representada pelos semanários Pasquim, Opinião, Versus, Demo e Tribuna Operária, tenta dar o seu recado, malgrado todas as dificuldades, como os problemas de divulgação, de linguagem e da cultura do medo sedimentada desde 1964.
Outro evento muito frequentado pelo público era o Salão de Artes Plásticas, no Palácio Pedro Furquim, na Avenida Washington Luiz, esquina com a Avenida Coronel José Soares Marcondes, principalmente com a coordenação de Laerte Bueno Júnior, gestor cultural no governo Paulo Constantino, que destacava pela presença e valorizava os eventos e os artistas da cidade, principalmente os músicos, pois integrou o conjunto Os Temperamentais, na década de 1960, além de maior divulgador do abstracionismo lírico de Ikoma, perseverava também na continuidade do Festival de Música Popular Brasileira, realizado no Ginásio Municipal de Esportes, na Rua Prudente de Morais, no Jardim Aviação. Todo ano publicava o catálogo da exposição, incluindo os pintores Cândida Maria Freire Lemos, Jocame, Kynia Ikoma, Luiz Komoda, Maria Bonome, de São Paulo, Maria Neuza Rotta, Morita, além de artistas do Rio de Janeiro, Curitiba, Belo Horizonte, Recife, Fortaleza e Buenos Aires, na Argentina. Favoreciam o sucesso os bons contatos e o extenso círculo de amizades de Bueno Júnior aliados à divulgação do evento, que alcançava os grandes centros, através da assessoria e das imprensas escrita e falada.
Considerado o melhor secretário de cultura, em razão de sua visão de cultura como produto que agrega valores impalpáveis, mas imprescindíveis para a identidade, para a consciência e para a formação da população. Pela sensibilidade e ciente das dificuldades da classe artística, Bueno Júnior apoia a confecção do livro “Poesias”, uma coletânea reunindo Paulo Trevisani Júnior, Paulo Beloni, Max e Dante Gatto, produzida na gráfica da Prefeitura de Presidente Prudente. Os escritores e dramaturgos, ao lado de Paulo de Jesus, integravam a companhia de teatro Sousândrade, distribuíram a publicação no bar e no xérox do diretório acadêmico de geografia, da Unesp (ex-Fafi), na Rua Roberto Simonsen, no Jardim das Rosas, na entrada do teatro Procópio Ferreira e, sem esquecer, do maior barzinho que era a Cinelândia, em frente ao edifício onde se localizava a Delegacia de Trânsito, a Aliança Francesa do Brasil, junto às salas de profissionais liberais, na Avenida Coronel José Soares Marcondes. Naquele local, tive a oportunidade de ver e ficar próximo às mesas de Plínio Marcos, Tom Zé, Luiz Gonzaga Júnior, Ney Matogrosso, Hermeto Paschoal, Miltinho, Magro, Aquiles e Ruy Faria, do grupo vocal e instrumental MPB4, João Silvério Trevisan, Roberto Piva, os irmãos Dércio e Dorothy Marques e o grupo Tarancón, durante a excursão do show “Bom Dia”. A maioria dos shows ocorreu nas instalações do Cine Presidente, na mesma via. Apenas o espetáculo “Jimi Renda-se & Bob Dica”, de Tom Zé, no Procópio Ferreira, no térreo da Prefeitura.
Um grupo de jovens investe com seus versos-palavras-imagens, contra o sufoco da censura e repressão implantadas a partir de 1968 e contra os valores morais e culturais. Não constituem, entretanto, um movimento unificado. Trata-se antes de um pipocar literário-social de gente e ideias jovens, no oeste do Estado de São Paulo. Com essa juventude do final dos anos 70, a poesia perde a pompa e a solenidade. Explora todas as possibilidades do papel – folhetos, jornais, revistas e manuscritos. Chega aos muros, sobe aos palcos, a exemplo das peças teatrais “Milagre na Cela”, do dramaturgo Dante Gatto e “Outubro de Homem”, da companhia Sousândrade. Inesperadamente, os poetas vão aos barzinhos ler suas poesias de mesa em mesa, sempre num clima do mais alto astral.

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