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Retrovisor, rebanho e incêndio



Em 1979, no governo de Paulo Constantino, ocorre a inauguração do Calçadão, na Rua Tenente Nicolau Maffei, via do centro comercial antigo de Presidente Prudente, como estímulo ao passeio e, principalmente, ao consumo dos produtos expostos nas lojas. Apesar da falta de um profissional e um plano de marketing, no que se refere a atrativos, como a remodelação das fachadas das lojas junto à carência imprescindível de vitrinistas. Quanto ao aspecto de entretenimento, pocket shows dos grupos musicais Os Sombras, Grupo Mensagem, Zito e seu Conjunto, sem esquecer, do microfone aberto aos cantores e grupos anônimos da cidade e arredores. Um grande chamariz teria sido a promoção relâmpago, com 50% de desconto, contando com a adesão de todos os lojistas do quadrilátero central, além do sorteio de veículos, a exemplo de carros da linha popular.

Dentro daquela bolha bucólica, um sistema de controle impôs todos os conceitos e de todas as condições e as linhas de vida dos moradores dentro da forma estabelecida. Sinais explícitos da ditadura militar implantada desde 1968, no Brasil. Tanto a educação, os costumes e os hábitos estavam encharcados de medo ao castigo, do inferno divino, do apocalipse, de culpa, entre outras características das leis morais, coercitivas e maniqueístas das religiões. Além do sistema político ditatorial da época. Muito típico na porta de entrada dos cines Presidente, João Gomes, Ouro Branco e Cinerama (Fênix) a figura do fiscal, representando a censura, pedindo a carteira de identidade (RG) nos filmes dentro da faixa etária de 16 a 18 anos. Temporada de exibição de “O Império dos Sentidos” (Ai No Korida), de Nagisa Oshima, de 1976, e de “O Último Tango em Paris” (Last Tango in Paris), de Bernardo Bertolucci, de 1972.

Nos cursos ginasial e colegial (hoje fundamental e médio) usava-se o guarda-pó ou jaleco, e os alunos eram vigiados pelo inspetor que andava pelos corredores e pelo pátio. Os jovens que conseguiam namorar se encontravam às escondidas nos cinemas, nas temporadas de circo e de parque de diversões ou nas aulas de educação física na escola, geralmente nas terças e quintas-feiras. Os pais mais conservadores e habituais seguidores dos encontros de casais ou cursilhistas da igreja católica utilizam como regra o namoro na sala supervisionado. Refletindo um clima de caretice na letargia da mornidão provinciana.

Poucas eram as opções de lazer e de entretenimento dos adolescentes. Aqueles que tinham os pais com uma formação intelectual e condição econômica mediana ou alta, procuravam um tipo de publicação dirigida, a exemplo da revista Pop, que divulgava sobre o rock nacional e internacional, MPB, blues, jazz, funk, shows, cinema, exposições de pintura, ilustração e fotografia, ideias de roupas e acessórios alternativos, como as camisas pintadas ou manchadas, o início da era disco com o lançamento do filme Os Embalos de Sábado a Noite (Saturday Night Fever), tendo os astros John Travolta e Bee Gees. O que motivou a um empresário local a lançar a discoteca Dancin Days. Outros jovens se contentavam sonhando com os conhecidos “catecismos” (pequenas histórias em quadrinhos, em preto e branco) do ilustrador Carlos Zéfiro. De vez em quando o irmão mais velho de um colega emprestava as revistas pornográficas suecas ou a Playboy, importada de Roma, na Itália, Fiesta, Fairplay, vendidas, de forma discreta, como os livros de Cassandra Rios, Adelaide Carraro, sucessos de venda nas bancas de jornais distribuídas no eixo central. Uma parte das garotas lia as fotonovelas das publicações como Grande Hotel, Capricho, A Cigarra e sobre os bastidores de novelas e mexericos dos astros da televisão se encontravam na revista Amiga TV & Tudo. Já as românticas, sonhavam com as previsões maravilhosas do Horóscopo Anual de Omar Cardoso e outras procuravam as transcendências do guru Lobsang Rampa. As “carolas” fervorosas do grupo de jovens das igrejas católicas compravam a publicação mensal Família Cristã.

A volta ao mundo em 24 horas, onde a cidade virou de cabeça para baixo, ocorreu na exposição de John Dennis Howard, artista plástico, escritor americano e professor de língua inglesa no Centro Cultural Brasil Estados Unidos, localizado na Rua Quinze de Novembro, exposta no Palácio de Cultura Pedro Furquim, na Avenida Washington Luz, centro do município. O artista e performer estudou filosofia e artes cênicas com Jim Morrison, cantor do The Doors, na Flórida State University. Na colagem, nota-se o sarcasmo e a reflexão ao controle demográfico associado ao sexo opressivo contrastando a plasticidade do material utilizado na colagem do artista. Comparando aos imperadores Nero e Calígula, o trabalho de Howard incendiou críticas picantes sobre a obra ousada e inovadora, causando polêmica na alta sociedade, no grupo restrito de intelectuais, que incluía pintores, professores, acadêmicos, entre outros profissionais liberais, e nas notas e matérias publicadas pelos cinco jornais impressos e nos comentários dos radialistas das quatro rádios de frequência AM.

 

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