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Plural


À Clarice Lispector



Revejo o meu rosto nos vários retratos:

Cada um capta algo, nenhum a totalidade

do que fui, do que sou ainda,

a cada instante outro renovado.

Eu sei que toquei no escuro o Proibido

e conheci a Paixão e os momentos

de fogos de artifício

com todas as minhas quedas livres

a minha alma se fita no abismo,

belezas do (princípio) precipício acesas por dentro

o encontro com os Outros

Eus desdobrados de mim, além de mim,

e raspão de estrela na treva,

que atira na noite com sol sem fim.

A carne é efêmera, triste e fraca,

nada tem, perdida pela cegueira

limitada e distraída com que tento animá-la,

corpo que se confunde

pela sensação incompleta

do vazio mental,

sonoterapia entre os objetos

que apenas reconhece da vida material,

recolhida em si mesma.

Mudei muitas vezes de pensamento

mas nunca de meu vinho predileto.

Deixei-me em vagos espelhos

as faces múltiplas e várias,

mas a que ninguém conhece

essa a imagem necessária,

da força heróica do sonho, cavaleiro delirante

me empurra a distantes estradas,

e estou sempre viajando

por caminhos plurais:

o que está fora se une ao que está dentro

na natureza paralela, fontes de nossa glória

e curta passagem na Terra.



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