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Uma filosofia a marteladas


Ilustração de Rubens Shirassu Júnior




“A natureza do mundo é ser eternamente incompleta
e, portanto, puro movimento e transformação”





Nem sempre um diploma forma um profissional com talento nas áreas de comunicação ou artes plásticas. Certa vez, assisti a uma entrevista entre Antonio Abujamra e Yumbad Bagul Parral (lembra oriente, mas não significa nada, diz o escritor) que me deixou perplexo, pelo modo de refletir a vida e o mundo. Pelos sulcos profundos de melancolia e sofrimento em volta dos olhos, vivos e seu semblante pequeno e sereno. Às vezes, mais motivado pela experiência do autor que morou debaixo de um viaduto em São Paulo e, corajosamente, se expôs às armadilhas na selva das ruas, com suas criaturas que lutam por um espaço. Pelo que comentou na reportagem com Antonio Abujamra, através da leitura de livros jogados no lixo, aprendeu a olhar os mitos dos trópicos. Em determinada parte, de forma incisiva e categórica, Abujamra diz a Parral de ter a visão romântica na puta redentora, talvez, pela influência marcante em seu livro de Nietzsche.
No entanto, um escritor que ainda não é divulgado pela mídia, representada aqui pelas televisões e revistas populares, tipo de bastidores de TV, ou de perfis de celebridades usadas hoje, tornou-se um fenômeno de vendas em dois anos apenas, na Vila Madalena em São Paulo, atingindo a marca de 25 mil livros vendidos. Uma edição bancada pelo autor. Da venda dos livros nos barzinhos, de noite, conseguiu comprar um modesto apartamento no bairro. A sua coragem e perseverança nos faz lembrar da geração mimeógrafo nos anos 70...
Até que Yumbad Bagul Parral seja entendido como um grande pensador, a realidade e a verdade de seus textos se tornem visíveis para estudiosos dentro do contexto social, sejam captadas e sentidas por professores, o ensino da Filosofia, Literatura, História e Sociologia, americana e brasileira, nunca vai cair no trilho certo. A Nação não exalará sua formação empírica, hordas burocratas literárias continuarão a soprar ranço acadêmico com estigma, inspiração oca e muitas gerações serão afastadas da Filosofia, a não ser que tenha a chance de achar um Jean Paul Sartre brasileiro, de coração leve, que divulgue através de ensaio.
Yumbad Bagul Parral escreveu Santa Puta Redentora para celebrar uma geração de heróis anônimos e individualistas pelas circunstâncias, homens que se entregaram à tarefa pouco consagradora de desfazer as grandes máscaras do “país do futuro” como o status, o poder, a honra e o caráter. Sua filosofia que pretende desfazer as ilusões nos oferece, é verdade, uma lucidez em seus textos que ainda parece inebriante e uma indignação contra a ordem predatória em vigor que atua como um energético!
Yumbad Bagul Parral, como pensador sem amarras, ensinou que os sonhos, para valer, nunca envelhecem. Santa Puta Redentora aduba o terreno para um novo estilo de pensar, ajustando a própria mente e o coração à mais estrita, genuína realidade - única maneira de encarar a mediocridade, a miséria, ao extremo do capitalismo selvagem e responder, de maneira adequada aos seus desafios. Nietzsche como Yumbad Bagul Parral, procurou realizar uma transvaloração de todos os valores clássicos, pretendem - de forma cada vez mais radical em seus pensamentos - se diferenciar de tudo o que foi pensado, construir um ponto de vista inteiramente novo na filosofia.



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