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Em Busca do Soneto Esquecido










                                               “My mistress’ eyes are nothing like the Sun
                                       […]
                                      If snow be white, why then her breasts are dun
                                     If hair be wires, black wires grow on her head.”
                                                   
(William Shakespeare, versos 1, 3 e 4)
                                        
“I love to hear her speak, yet well I know
That music hath a far more pleasing sound.”

(William Shakespeare, versos 8 e9)











SONETOS DE BOLSO
Antologia Poética
Organizadores: Jarbas Júnior e João Carlos Taveira
Thesaurus Editora
Literatura Brasileira. Sonetos Brasileiros
15 Sonetistas Reunidos
( Anderson Braga Horta * Anderson de Araújo Horta * Antonio Miranda * Antonio Temóteo dos Anjos Sobrinho * Fernando Mendes Vianna * Henriques do Cerro Azul * José Geraldo Pires de Mello * José Jeronymo Rivera * José Peixoto Júnior * Luiz Carlos de Oliveira Cerqueira * Márcio Catunda * Maria Braga Horta * Nilto Maciel * Romeu Jobim e Viriato Gaspar. )
2013
200 Páginas
Brasília - Distrito Federal








            Um minucioso trabalho de organização sobre a produção de sonetos de poetas que reside(ira)m em Brasília. Um documento que mostra a própria história deste gênero fundido à história da poesia e literatura brasileira, resgatando a lírica e os sentimentos através de recursos criados que simbolizam o desejo, a tristeza e a dor de forma discreta e polida. Raramente lemos em algumas publicações de associações e academias literárias a inserção de sonetistas e, os poucos pedem informações sobre editoras que se interessam por novos cultores deste gênero secular, sobre o que fazer com tantos poemas guardados em casa. Onde publicá-los? Estes pedidos são o testemunho de que desapareceram os jornais e suplementos culturais impressos, enfim, escoadouros para a produção literária, que, mesmo com todo o analfabetismo funcional do país, não é pequena.
            Que fazem os inéditos? Como vencer as barreiras das editoras?
            Quem quer conhecer o estilo de cada poeta, a técnica, o lirismo, o rigor estético, o poder de condensação e a criatividade dos sonetos produzidos no século XX e parte deste milênio, não pode deixar de ler esta importante e significativa contribuição apresentada pelos 15 autores reunidos na coletânea da Thesaurus Editora.
            Tal é a cristalina condensação verbal a que conseguiram chegar os sonetistas incluídos nesta antologia, que o leitor que acaso desconhecesse a totalidade da obra de cada autor poderia ser tentado a classificá-lo naquela familiação poética, de que nos fala T.S. Eliot, dos poetas "clássicos", por oposição aos "românticos". Não se deve confundir, porém, essas duas famílias, ou "raças" de poetas, com as escolas literárias e de poesia com os mesmos nomes.
            Estariam, então, diante de um caso, talvez, único na poesia brasileira: o de poetas que conseguem ser "românticos" em suas produções menos nos sonetos, em que é um "clássico"? Em primeiro lugar, porque justamente a poesia e a poética de Vinicius de Moraes, como exemplo, são um caso típico da fidelidade e coerência poética talvez sui generis na poesia brasileira. Talvez, seja esse o caso de alguns sonetos, de absoluta contenção verbal, de Augusto Frederico Schmidt ou de Jorge de Lima; não me parece o caso de Vinicius de Moraes.
            Como Augusto Frederico Schmidt, alguns poetas começaram também pela volta da poesia ao sublime, que é a marca indiscutível do temperamento e da própria alma brasileira. Filiando-se, indiretamente, ao movimento de "Restauração da Poesia em Cristo", operado, entre nós, por Murilo Mendes e Jorge de Lima, a partir de Tempo e Eternidade, conseguiram, no entanto, permanecer fiéis a si mesmo e ao élan e estilo inicial de suas poesias, onde sempre predominaram os temas do amor-paixão e as metáforas telúricas e cósmicas de um poeta sempre à procura de visão unitária do universo.
            Havia uma visão do mundo inspirada em parte no misticismo cristão, contudo, já vinha desde então demasiadamente carregada de cosmicidade e força telúrica, para não se adivinhar logo nela uma ganza bastante endurecida de misticismo panteísta.
            Alguns sonetistas não resistiriam à mais profunda concretização ou à humanização mais íntima da visão paradisíaca, reatualização apenas de suas infâncias de poeta, tão lendária, telúrica e "marinha" como suas meninices de ilhota, cheia de mar, de pescarias míticas e da alma simples e aventureira dos pescadores da Guanabara, dos caiçaras do interior de Minas Gerais, de Pernambuco, de Fortaleza, entre outros rios e riachos que haviam provado sempre no seu mundo de criança.
            Na verdade, a visão cristã e evangélica do universo, que a partir dos anos 50 foi de todo abandonada, pela encarnação última e definitiva do Paraíso nesta terra - tão concretizada que se materializaria de todo - teria sido apenas uma nova etapa: a daquela descoberta fundamental de que nos fala São João Evangelista, numa de suas epístolas: "Se não amarmos ao próximo que vemos, como amaremos a Deus, que não vemos?".
            Foi essa, talvez, a única ruptura na linha de fidelidade dos poetas a si mesmos: um dos caminhos conduziria, certamente, a uma verdadeira vivência mística de poesia, pelo aprofundamento da visão espiritualista e cristã do universo; o outro, o das metáforas telúricas e panteísticas, à solidez dos pés fincados na terra.
            Dessa nova linha diretiva surgem sonetos, em que a visão de Deus, se ainda existe é para se revelar logo diluída pela da mulher e do amor-paixão. Começavam os poetas a se afastar, gradativamente, daquele aristocracismo inicial e visionário e do mundo mítico das metáforas marinhas, embora indo abeberar-se em outras fontes de influência popular, as suas sintaxes poéticas. Não era porém uma deserção; muito pelo contrário, significava outro progresso de sua estilística poética que outrora exprimia o mundo popular e mítico-marítimo de suas meninices, com metáforas telúricas e cósmicas de um aristocracismo poético, fortemente influenciado pelo paralelismo bíblico.
            Por sua vez, Pablo Neruda, em palestra no Rio de Janeiro, ao discorrer sobre suas Odes Elementares, dizia que elas "buscam ensinar, o que é um papel importante da poesia, que, por orgulho, poetas parecem ter esquecido. Segundo este conceito, a poesia deve ensinar ao homem. Uma lição que deve ser sempre a da separação. Estas palavras - o bem, a verdade, a beleza - foram ridicularizadas por uma literatura maldita, tenebrosa, mas, na verdade, elas são indestrutíveis, são herança do humanismo universal.".
            Todas essas considerações dizem respeito intimamente, à perfeita compreensão das mensagens dos poetas que temos diante de nós, nesta antologia de sonetos, diante dos olhos. Os sonetos, apesar dessa aparência de cristalização que os tornam, à primeira vista "clássicos", e em oposição a seus demais poemas, - "românticos" - têm sido sempre subordinados à mesma linha de fidelidade dos poetas a si mesmos.
            A beleza e a importância desses sonetos consistem precisamente em que, mesmo aparentando os clássicos e, muitas vezes, quase à maneira antiga, no entanto por seus estilos, ou pelo novo espírito subjacente à poética de cada autor, nada têm a ver com aquela espécie de plágios ou pastiches da chamada "Camoniana Brasileira". Como nada tem a ver aquele soneto de Augusto Frederico Schmidt: "O desespero de perder-te um dia". No entanto, mesmo entre os defensores momentâneos do gênero, a nenhum deles ocorreu que se faziam sonetos, clássicos e dos mais belos da língua portuguesa, desde a ruptura dos poetas modernos com o movimento modernista, superando-o para sempre, como, entre outros, e com maior felicidade, faziam-nos Augusto Frederico Schmidt e Vinicius de Moraes.
            Ao atravessar o século, a forte adesão da poesia moderna misturada à prosa fluente e sem eufemismo, um grupo restrito de 15 sonetistas busca reviver a beleza formal, o ritmo e o rigor estético, a cristalização na condensação e, por isso mesmo o soneto tornou-se um gênero poético cerebral e difícil.







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