A sincronia entre o pensamento, a ação e o prazer
Sempre, sob inegável suspeita dos
grupos dogmáticos, fundamentalistas e reacionários, por seu ângulo de visão
muito objetivo e seu caráter pouco alegórico, o dionisismo existencialista se
manteve, contudo, desde os anos 60, no século passado, como uma das forças mais
influentes do pensamento contemporâneo. Há muitas razões para isso, desde a
vigência espetacular que conheceu no pós-guerra até sua tendência presente à
revitalização, em face da evidência do fracasso de formas do pensamento mais
intelectualistas.
A filosofia contemporânea chegou a
uma complexidade verbal delirante e, na melhor das hipóteses, insensata, cuja
principal operação é a substituição sistemática do concreto pelo abstrato, do
prático pelo teórico e da experiência direta pela elucubração mental. A
juventude, enquanto corpo de doutrina, não está imune aos vícios filosóficos
típicos de nossa cultura, no estágio atual de seu desenvolvimento, mas
representa uma tomada de consciência, embora parcial, desses vícios e uma
sincera, saudável e, por vezes, apaixonada tentativa de negá-los. Do ponto de
vista existencialista autêntico, o que importa é sempre a experiência direta,
prática, concreta, embora ela se apresente muitas vezes reinterpretada pelo
prisma distorcente do intelecto. Essa fidelidade à vida efetiva, isto é, à
perplexidade original com que despertamos ao mundo, é a fonte
existencialista/dionisíaca. O jovem parece, pelo menos, examinar a si próprio,
um ser vivo, e não abstratas ou totalizações conceituais arbitrárias e vazias.
A declaração de Jean-Paul Sartre – “a
essência do ser humano é a sua simples existência”, isto é, a liberdade de
viver arremessa-nos num buraco negro permanece atual no pensamento ocidental. Ela
implica uma crítica radical a todos os tipos de codificações de valores, em
leis, normas ou hábitos, em que indulgimos insistentemente na busca vã de uma
segurança que não passa, na verdade, de mera imaginação doentia. A aparente
necessidade de se utilizar a prática política para que possa estabelecer um
sistema razoável de convivência, não foi capaz de obscurecê-la. “A existência
humana é, em si, radicalmente livre, embora cerceada socialmente por mecanismos
de condicionamento que se multiplicam sem cessar. O ser humano, portanto, é, em
si, radicalmente livre, embora introjete esses condicionamentos de maneira
mórbida e obsessiva. Estamos certamente submetidos a circunstâncias,
condicionadas e condicionadoras que marcam nossos limites como seres
contingentes num mundo contingente” – escreve Luís Carlos Maciel.
Hoje, mais do que nunca, a questão
da liberdade é a chave das sete portas. Ela está na alma da juventude, o que
evidencia a necessidade de mais espaços e meios. Isto, em todos os sentidos.
Dionisos, o deus do prazer, é apenas a base de nossa liberdade: é o material, o
solo, sobre o qual se exercerão nossos atos livres. Essa devoção precisa ser
provada em algum debate teórico contra o espírito determinista (o que
caracteriza a nossa época). O próprio, é teimosamente hostil ao fluxo natural
da criação, às manifestações artísticas, antes de mais nada, uma experiência
viva e com uma certeza interna. Contudo, os espíritos nefastos, hipócritas, dos
interesses corporativistas e próprios, temem o reconhecimento do caráter
sagrado de nossa juventude: fosse pôr em perigo a ordem social, a moral
familiar ou coisa parecida, quando, na verdade, só iria lhes revelar a nudez do
espírito existencialista e dionisíaca.
Cabe, aqui, contra toda mornidão
provinciana, tradicionalista e arcaica do ambiente, um papel exato e oportuno
no qual o nosso esforço permanente será o de obter o diálogo adequado entre a
compreensão do passado e a promoção do futuro, entre a compreensão já amadurecida
e a contribuição que apenas vai emergindo. Que não se tome tudo isso como uma
receita milagrosa (e nossa), mas como uma benfazeja hipótese de trabalho. Há
mais a fazer, entre nós do que simples e automaticamente elogiar ou investir em
determinado segmento. Há que lutar por muitas outras coisas: por um máximo de
informação e divulgação disciplinada em torno do nosso passado e presente, amealhando
e documentando, pouco a pouco, a memória de Presidente Prudente para
redistribuí-la e revivificá-la, bem como das entidades representativas; pelo
intercâmbio nacional e internacional, o mais amplo possível.
Aproximando o que não pode
permanecer afastado, a necessidade de fazer novas hegemonias, um lugar onde
eles tenham como registrar o seu entusiasmo de intenções e de críticas. E,
sobre tudo isso, há que lutar pela divulgação ou popularização do exercício
criador, como uma região em que a liberdade de sonhos, de se transfigurar, de
gritar e de documentar – de dizer enfim – deve permanecer intacta, a salvo de
qualquer ameaça ou pressão psicológica e política. Certa vez, escrevi num
artigo: Tarefas difíceis, sem dúvida – mas indescartáveis tarefas de guerreiro.
A filosofia oriental – em particular a chinesa, cujos fundamentos estão
formulados com rigor no I Ching -
procura compreender as leis profundas que manipulam o real através da natureza
do mundo. Esta é eternamente incompleta e, portanto, puro movimento e
transformação.
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