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O Tocar no Corpo e os Sentidos











“A criança adquire o conhecimento de seu corpo
 próprio  introjetando a imagem de outra,
 e em primeiro lugar, o corpo da mãe”

Le Boulch








            Percebe-se que o conceito de imagem corporal associa-se ao inconsciente, enquanto a mesma bifurca-se de um lado, em parte consciente e do outro também pré-consciente.
            O caminho narcisista trilhado pela criança na fase em que se descobre a fusão de um corpo sentido de modo geral e a imagem especular vai exercer um papel dominante sobre si mesma. Pode-se, também, afirmar que através do corpo a criança declara a sua individualidade e se intera dele com o meio, formando a sua maneira de ser. Pelo pensamento exposto de Le Boulch é pertinente afirmar que toda relação corporal implica uma relação psicológica.
            Entendo como identificação o processo pelo qual a criança, em seu meio, harmoniza-se posturalmente em relação à outra pessoa pela ligação afetiva que possui com ela.
            A imaginação exerce uma função de catalisador na evolução da imagem do corpo. Ao adquirir a visão conjuntural das estruturas do mundo real, a criança passa a operar no mundo objetivo e utilizar a sua imaginação criadora para interferir no ambiente. Neste momento diz Oliveira (1971*) “ela apreende sua imagem especular como um reflexo, uma imagem, uma representação, um símbolo.”
            O reflexo da criança no espelho torna-se a base da experiência de descoberta pessoal rica em significados. Jacques Lacan**, um dos pioneiros a salientar o estágio do espelho, ressalta a sua fundamental importância para o desenvolvimento do esquema corporal. Na opinião de Lacan, “a criança, até mais ou menos seis meses de idade, possui uma visão de corpo fragmentado, retalhado, e com a apropriação da imagem especular começa a se ver de forma integrada, organizada, como um todo.” Além do que, as suas reações de postura e de gesto são os movimentos que vai realizar até perceber que possui o domínio sobre a imagem refletida.
            Para verificar se uma criança realizou o trabalho perceptivo e conquistou uma imagem visual fiel de seu corpo, o educador pode recorrer a dois testes: o desenho da figura humana e os quebra-cabeças.
            Uma criança que age precisa ter um corpo organizado nos seus vários aspectos: psicológicos, psicomotores, emocionais, cognitivos e sociais. Essa organização de si mesma mostra-se como o ponto de partida para que a criança descubra suas diversas possibilidades de ação e, portanto, precisa levar em consideração aspectos neurofisiológicos, mecânicos, anatômicos e locomotores (Oliveira, 1971*)
            Na etapa do corpo vivido, a primeira parte do esquema corporal, o aspecto motor da criança tem progresso nesta fase, em razão da necessidade de movimento da criança. Suas ações iniciais são espontâneas, isto é, não pensadas. A vivência plena e pessoal da criança propicia pela exploração do ambiente e dos objetos, o ajuste às situações novas (função de ajustamento), o domínio do corpo e a descoberta do mundo que a rodeia. Através das brincadeiras, ela se familiariza cada vez mais com seu corpo e passa a conhecer as partes de seu corpo percebendo cada parte e em si, em outra criança ou em uma figura.
            Em sequência, na segunda etapa do corpo percebido ou descoberto, vai entre os três até os sete anos. A criança pode se orientar de modo espacial e temporalmente a partir de seu próprio corpo. Desta forma, habilita-se a representar os elementos de espaço, descobrindo formas e dimensões. Esse momento flagra a assimilação de conceitos como embaixo, acima, direita e esquerda. Ela adquire, também, noções temporais como a duração dos intervalos de tempo, de ordem e sucessão, quer dizer, o que vem antes, depois, primeiro e último. Assim, se inicia a fase conhecida como pré-operatório (pois tanto o nível de comportamento motor como o intelectual pode ser caracterizado), e submetido à percepção num espaço em parte representado, mas ainda centralizado sobre o próprio corpo.
            E, finalmente, a terceira e última etapa que se intitula o corpo representado, entre sete até os doze anos, no processo de formação da personalidade, a criança encontra em seu corpo um instrumento imprescindível de autoafirmação e de autoconhecimento, utilizando-se dos movimentos e das habilidades que gradualmente vai adquirindo para explorar o espectro cognitivo das esferas junto às quais interage, num processo evolutivo rico em significados e símbolos. O que revela um verdadeiro trabalho mental relacionado à maturação e ao progresso das funções. Comprova-se que os pontos de referência não mais estão baseados no próprio corpo, e sim, no exterior, podendo o sujeito criar os pontos de referência que servirão para orientá-lo.




Referências Bibliográficas:



**LACAN, Jacques. Escritos - Campo Freudiano no Brasil, capítulo O Estádio do Espelho, Psicanálise/Psicologia, tradutora: Vera Ribeiro, 944 páginas, 1ª edição, ISBN 9788571104433, Zahar Editor, 13 de março de 1988, Brasil.
*LIMA, Lauro de Oliveira. Mutações em Educação Segundo Mc Luhan. Petrópolis, Rio de Janeiro, Vozes, 1971. Página 63, il. (Cosmovisão, 1).








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