Ele se perdia na touceira de grama molhada
que apagava o
seu celular e sapatos
Lá fora, noite fria de domingo, e
então me sinto um daqueles marinheiros ancorados no porto da casa, a sensação
de frieza na alma quando a tarde está congelando, e então eu sinto uma falta do
aconchego, uma fissura de namorado adolescente que conquista a primeira garota
e penso em ti, bem devagar, como um bem-querer tão certo e limpo, tão fundo e
bom que parece que estou te embalando dentro de mim. Tenho vontade de escrever
bobagens para todo mundo me achar bobo, um tanto medíocre e, talvez, preencher
este espaço num dia sem assunto e, entretanto hoje me sinto apenas um menino
teimoso num dia cinza e encharcado. Olho-me no espelho e percebo que estou
envelhecendo definitivamente com esses cabelos brancos, parece que minha imagem
vai esvanecendo-se, vou ficando menos nítido, desfocando-se como os efeitos de
filtro de um programa digital de imagem, como fotografia branca e congelada de
velhice pelo tempo ido.
Caía uma chuva fina na noite adentro
filtrando uma débil luz pálida do poste na calçada. Segui olhando lentamente de
minha janela escura, até perdê-la de vista. A rua sem o pequenino caminhante de
cabelos brancos ficou tão vazia que, de súbito, me veio a impressão de que
todos os habitantes haviam abandonado a cidade e eu ficara sozinho, numa
absurda e desconhecida sala de escritório da zona norte, sem luz, sem saber
porque estava ali, nem o que fazer. Ele se perdia na touceira de grama molhada
que apagava o seu celular e sapatos.
O dedo indicador corria ateu por
toda a vidraça desenhando caminhos que se interligavam. Ali perto, a cidade
rangia com seus ruídos de buzinas impacientes de ônibus e de motos. Um telefone
tocando em vão: seria alguém querendo uma informação ou um engano por erro de
digitação? Penso no desgaste emocional, mental e físico, desnecessário desta
vida de tantos desencontros, incertezas e do jogo de ambições e vaidades. Na
procura da beleza estética, dos prazeres do amor líquido, instantâneo,
passageiro das ilusões na caça do dinheiro e no êxtase pelo poder. Onde
encontrar uma cidade, um doce recanto que me permita evasão fácil para as matas
e águas naturais? Estava ali no limite dos muros e das paredes de concreto do
labirinto da cidade. Pensando sobre os problemas urbanos de homem civilizado –
mas em frente de casa, um lagarto correu de súbito para um tijolo cinzento,
embaixo da velha árvore, e fiquei atento ao comportamento arredio daquele
animal e, também, à sua vida silenciosa e seu misterioso coração clandestino,
com sua pele camuflada na textura mineral da pedra. Comecei a me sentir em paz
ao ser confundido com a terra e as suas raízes profundas e úmidas. Num grande
sossego emiti um bocejo mesclado de sono e preguiça, pela fartura e calmaria do
abrigo da terra e da água, fiquei com a alma plena de verde coberto pelas
folhas formando uma copa densa.
Comentários
Postar um comentário