Retrato
em branco e preto da formação patriarcal
Oitenta e
dois anos depois do lançamento de “Casa Grande & Senzala”, Gilberto Freyre,
em 1983, diz que escreveria a mesma coisa hoje e que está convencido de que
assim agiria pela atualidade do livro, pelas antecipações científicas que o
tornam pós-moderno. E citou como exemplo dessa atualidade a acolhida que teve
entre os alemães a edição da obra na década, a segunda naquela língua.
O escritor pernambucano lembrou o
impacto que causou nos meios intelectuais brasileiros o lançamento de “Casa
Grande & Senzala” pela Editora Maia e Schmidt Ltda., do Rio de Janeiro. O
livro surgiu numa época em que duas ideologias se enfrentavam no Brasil: o
comunismo e o integralismo de Plínio Salgado, este ainda não inteiramente
definido. E que tanto comunistas como integralistas se dividiram em ataques e
elogios à obra. Gilberto Freyre foi chamado, ao mesmo tempo, de comunista e
reacionário.
“Casa Grande & Senzala” apareceu
em dezembro de 1933. Quatro opiniões em artigos de jornais e revistas definiram
logo a importância do livro: a do historiador paulista Yanan de Almeida Prado,
a do romancista João Ribeiro, a de Gastão Cruis, e uma definitiva, do
antropólogo Roquete Pinto, diretor do Museu Nacional, assinalando que “este
livro nasce obra clássica”. No Recife, onde Gilberto Freyre sempre viveu, os
congregados marianos, liderados pelo padre Fernandes, “jesuíta de um extremismo
quase patológico”, exageraram nas críticas e chegaram mesmo a sugerir que o
livro fosse queimado em praça pública. Muitas famílias tradicionais
pernambucanas também se sentiram ultrajadas.
Este clássico está hoje publicado
nas principais línguas: inglês, espanhol, francês, alemão, italiano, húngaro,
iugoslavo, polonês, japonês, entre outras. Os direitos autorais da obra foram
comprados pelo editor e também poeta Augusto Frederico Schmidt por cinco
contos, pagáveis em dez prestações de quinhentos mil réis. Os direitos autorais
se referiam apenas a uma edição. Com o sucesso do livro, entretanto, foram
tiradas logo em seguida mais duas edições sem que nada fosse pago a Gilberto
Freyre.
Freyre conta que, embora já tivesse
a ideia de um livro sobre a formação brasileira, foi durante a sua passagem
pela África, a caminho do exílio na Europa, em 1930, que a ideia ficou nítida.
O livro começou a ser escrito durante a época em que, na qualidade de
professor-visitante da Universidade de Stanford, encontrava-se nos Estados
Unidos, depois de temporada penosa na Europa, quando chegou a passar fome. Mas,
no Recife “Casa Grande & Senzala” foi concluído. “Um livro que responde
àquela ânsia de se descobrir como brasileiro, de descobrir um Brasil que
ninguém ainda tinha me explicado satisfatoriamente. Faltava-me uma explicação
em profundidade do Brasil. Este livro representa um homem a se autobiografar
através do seu próprio povo: pessoal e coletivamente.”
Freyre afirma que “Casa Grande &
Senzala” não interpreta apenas o Nordeste, mas todo o Brasil, quando diz que a
casa-grande do Nordeste açucareiro, “símbolo da primeira sociedade estável do
Brasil, se transferiu depois para outras regiões, para outras culturas
regionais e econômicas. Mas a forma social será sempre a mesma. Toda a
civilização do café, tão importante foi uma transferência da casa-grande do
Nordeste açucareiro para o Brasil cafeeiro, que não é só paulista, mas
fluminense e também paranaense. O fenômeno se repete ainda no Brasil quanto à
estância, porque há uma casa-grande patriarcal também na fazenda de gado”.
Em torno de sua ideia básica
desenvolveram-se todos os que se seguiram, na linha de interpretação
sociológica da formação da sociedade brasileira. O autor pernambucano, certa
vez, declarou ser injusta a crítica, muito comum, de que ele viu do Brasil
muito mais a casa-grande do que a senzala. “Acho que a crítica é injusta, porque
creio que ninguém deu tanta importância ao negro da senzala como eu comecei a
dar em meu livro. Não separo a senzala da casa-grande. Considero a mucama, por
exemplo, o primeiro grande tipo de mulher produzida pela civilização
brasileira, ao lado da sinhazinha – mucama, porque era um tipo de brasileira
bonita e sobrecarregada de joias, pois era por meio dela que o senhor da
casa-grande ostentava a sua riqueza. A mucama era mais fácil de ser exposta que
a sinhazinha, que era mais resguardada.”
“Ora esse tipo de mulher adornada,
que era africana ou semiafricana, é um produto de senzala aristocratizada pelo
livro. De modo que essas duas influências estiveram sempre presentes. São
modelos para o Brasil, clássicos, de dois tipos de beleza de mulher a se
completarem. O que não posso é satisfazer aos meus críticos, deixando de
reconhecer a importância da casa-grande, para dizer demagogicamente: que pena a
senzala não ter sido maior que a casa-grande. Não podia ter sido. A civilização
que o Brasil desenvolveu é predominantemente europeia, embora felizmente não o
seja de forma exclusiva. A grande glória do Brasil é ter dado ao negro vindo da
senzala a possibilidade de se exprimir. Como se exprime, por vezes,
aristocraticamente e africanizando, a cultura brasileira nas suas formas
básicas.”
Em “Casa Grande & Senzala” as
duas palavras convivem lado a lado, compondo uma Nação conflitante em seus
jogos de interesse, recalcado e integrado. Feixe de paradoxos que se mistura,
abastarda, enriquece e relata o processo de evolução social do Brasil, que
recria as imagens de um passado marcado pela colonização portuguesa. Uma união
marcada pelo conflito e pelo desequilíbrio. Uma história da realidade do País,
que pretende analisar a formação patriarcal, principalmente no Norte e
Nordeste, e mostrar como se processaram as relações entre os brancos e as
chamadas “raças de cor”.
CASA GRANDE &
SENZALA
Gilberto Freyre
História
- História do Brasil - Sociologia
Origem:
nacional
Global
Editora
Idioma:
Português
Número
de Páginas: 768
Edição:
48
Encadernação:
Brochura
Altura:
23 cm
Largura:
16 cm
ISBN: 8526008692
Ano:
2006
Brasil
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