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Rompendo o rito e o tabu









Apesar da propagação milenar da demonização do sexo,
os instintos de Eros se manifestam










            Uma poesia que retoma a tradição provocativa, ousada e anárquica de Pier Paolo Pasolini, de Sade, de Marcial, de Quevedo e de Bocage. Assim, ecoando também algo de Charles Baudelaire, de François Villon e de Rabelais, o poeta Nivaldo G. apresenta Anomalia, sua primeira dicção poética visceral, iconoclasta e profana, sem complacência para com o sagrado. O poeta prudentino se impõe como um daqueles casos isolados (por exemplo, Lautréamont, na França, Nietzsche, na Alemanha, Augusto dos Anjos e Gregório de Matos, no Brasil.), a que ouvidos mais “delicados” e sensibilizados, mais “refinados” nunca suportarão. Os poemas que compõem o livro são difíceis de ser ingeridos por quebrarem os mitos litúrgicos ao profanar os conceitos de bem, de mal e de virtudes, sem eufemismo, que oprimem a sociedade em geral e, aos quais, se submete num próprio ato corajoso e de maculação.
            Nivalgo G. erotiza a alma e o espírito, para isso, busca o prazer implodindo os símbolos sagrados da igreja católica. Como herege, pela vertente moralista, adentra os claustros religiosos rompendo as imagens patriarcais do dogma, do fundamentalismo e da hierarquia eclesiástica, que reutilizaram o vinho, o pão, a mirra, o cordeiro e o crucifixo, procedentes do paganismo. Usa sua arte poética para exaltar e transcender os instintos do homem oprimido através de promessas de salvação, de profecias fatalistas de vingança, de dor e de condenação da alma. Apesar da propagação milenar da demonização do sexo, os instintos de Eros se manifestam. Dentro do ambiente hipócrita do neomedievalismo influenciado pelo dionisismo da Grécia antiga, o poeta prudentino canta a poesia de amor ao corpo, ora erótica, ora de caráter político, pois ataca um ponto vulnerável do poder manipulador, castrativo e impositivo das religiões e seus ofícios de natureza pecuniária, conservadora e reacionária. A poesia de Nivaldo G. tem o gosto sensual do mundo terreno, na dimensão profunda dos que têm seus pensamentos e apetites num mesmo ponto de uma região reclusa do prazer, da dor e da morte - Eros e Thanatos.
            Ecos nietzscheanos, de sua formação filosófica e de arte, corroem o platonismo cristão que assombra o paraíso, no sentido figurativo, e sustenta o mito de mais de dois mil anos em que, a união do amor carnal com o espiritual, a valorização do feminino na natureza e o seu poder de Gaia ciência foram interditados por campanhas de repressão sexual, desde a época do imperador Constantino, passando pelo período nefasto da Inquisição, de controle e sustentação do poder econômico, das culturas do medo e da miséria por uma elite minoritária.




ANOMALIA
Nivaldo G.
Poesia Moderna Brasileira
32 páginas
Edição Independente
Presidente Prudente - São Paulo
2015








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