Um bicho que anda de quatro, a
língua de fora, aos pulos, sobe na árvore com a agilidade do mico. No fundo do
quintal, arrasta a coleira pelo chão. Cabeça bem pequena, nariz purpurino, um
guincho selvagem. Mesmo arredio, resiste a cortar unha ou pelos. Tanto crescem
as unhas, como gato ligeiro segurando um pedaço de carne. A mãe é chamada que
lhe amarra no gancho do pilar da área de serviços. Depois, apara as unhas e
rapa os pelos do seu peito e do dorso. Dona Valquíria enche o seu prato. Ele
espalha a comida no chão, fervilhando de formiga marrom avermelhada. Estala
algumas nos dois caninos risonhos sobressaindo a gengiva vermelha.
Ao calor das três da tarde, dormia
os vizinhos sob o zumbido das moscas. Totó corre de um lado para outro, toda a
língua de fora. Chama a pombinha que procura pipocas no terreno. Nem pisca os
olhos, pois são semicerrados, a flor de espuma no canto da boca. Imita os
saltos do sapo barrigudo. Numa noite de lua cheia, apresenta serenata, chiando,
na janela, porque a mulher do vizinho pegou nos seus dedos enormes e espessos:
- Tadinho, do meu ursinho panda! Um momento intenso para que a adorasse. Contempla
através do telado, a mulher curvada esfrega as roupas no tanque, eleva parte do
vestido. Duas mangas rosa se destacam no arranjo florido do vestido. Os longos
cabelos encobrem a visão da moça. Ele baixa imediatamente o calção largo, atrás
da tela de proteção, ronco feio na garganta, um comichão atrita o nervo como
fogos de artifício que estoura nas comemorações. Mas não avança o muro que
divide as moradias. A moça não sai do lugar, atenta ao serviço doméstico. Eis
que Simeão, seu pai, resmunga que esqueceu de preparar um porco para festa de
Natal e à passagem de Ano Novo: - Esse Duroc safado, eu fatio! Além disso,
mongolóide e inútil! O coração de Totó, à sombra do muro, batia acelerado e
mais alto que o sino da igreja matriz. Simeão segura firme a foice bem amolada,
em golpe preciso risca-lhe a barriga rosada, ao escoar as vísceras, baba-se de
gozo. Assusta a cachorra cinzenta que anda em círculos na horta.
Os olhos amendoados e fixos de Totó elevam-se,
além do muro, para avistar a pombinha branca.
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