Toda a água é um espelho de Fernando Vidal
Para o
Dia Mundial da Água
Essa
paisagem desapegada
do
rio abandonado
represa
a enchente que guarda
dentro
do corpo.
Muito
maior que o desejo parcelado
no
crediário que pagas.
A
fome de vida transborda
desorientando
a tua bússola.
E
se encorpa em gelatina, entre todos,
lona
de um tecido tão fluvial
que
se abaixa e mergulha por si.
Avança
em linha rasteira,
como
uma onda,
alastra
o som em paralelo.
O
rio – ave migrante
sente-se
estrangeiro ou imigrante,
como
se fosse um retirante.
Sol
a pino, os sentidos fora
dos
trilhos urbanos e das faixas
dos
acostamentos das estradas.
Aquela
vela segue o claro vibrante sol
ou
do raio lunar que não se estanca
a
alma escura do rio caminha com carranca
no
desfiladeiro, circulando as barrancas
submersas
nos pesadelos e miragens
encarceradas
na barragem
de
ansiedades, ilusões, vontade de poder
dos
seres que oram
pela
Senhora dos Navegantes,
acorrentados
à correnteza do rio
sempre
com os pensamentos grandes
dos
seres do mar:
O
comércio e as indústrias
mastigam
a carne e o osso
dos
teus dentes frágeis
comidos
pela Companhia
que
vive da safra, da prestação
de
serviços e dos juros embutidos
e
fora de órbita,
dos
afogados, a triste povoação,
a
gente do bagaço da vida,
que
a morte embebe
e
toda carne é consumida.
Como
um fogo que por dentro é frio
o
rio que apodrece, uma faca
a
vista enferruja
e
corta uma terra desertada
aquela
grande sede
e
as vidas explodidas
da
margem largada
de
bocas esfomeadas e cobiçadas
pelos
donos das fábricas
que
devoram as plantas arrendadas
das
terras devastadas.
Esse
rio
que
se derrama
pela
paisagem
fractal
de uma adaga,
uma
língua de cão se esparrama
de
sede, de fome e de sono afunda
cava
lixa de palmo,
a
boca banguela e infecunda,
que
pouco a pouco
ganha
os gestos defuntos,
o
sangue e o olho vidrado
de
goma,
na
paisagem do rio achatada,
pedaço
do espelho quebrado do céu
de
água e luta parada.
E
mais por dentro tem aquela dimensão
de
tipo escasso, sua calada condição.
Como
uma rua que passa no meio,
traiçoeira
cascavel, chacoalha o maracá
sobre
os esqueletos de areia lavada.
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